USO DE INFORMAÇÕES CONTÁBEIS EM SAÚDE:

uma análise em hospitais filantrópicos brasileiros sob a regulação do Sistema Único de Saúde (SUS)

Ewerton Alex Avelar[1]

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

ewertonaavelar@gmail.com

Eliane Apolinário Vieira Avelar[2]

Universidade Federal da Bahia

elianeavieira@gmail.com

______________________________

Resumo

A pesquisa apresentada neste artigo visou analisar a influência da regulação do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre as decisões e o desempenho econômico-financeiro de hospitais filantrópicos brasileiros empregando informações contábeis. Tal pesquisa pode ser classificada como quantitativa, descritiva, correlacional, ex post facto e longitudinal. Para o desenvolvimento do estudo, foram empregados dados secundários, especialmente, dados provenientes das demonstrações contábeis publicadas pelas organizações que compuseram a amostra. Também foram utilizados dados operacionais e categóricos coletados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A amostra da pesquisa foi composta por hospitais que apresentaram seus dados contábeis e operacionais de forma pública no período de 2010 a 2015. Após a coleta e o tratamento dos dados, foram aplicadas as seguintes técnicas de análise: análise documental, estatística descritiva, teste de Kolmogorov–Smirnov, teste de Kruskal-Wallis, estatística do Qui-quadrado e análise de regressão com dados em painel. Constatou-se uma precariedade na gestão do capital de giro no caso dos hospitais filantrópicos. Ao se analisar as decisões de financiamento desses hospitais, duas variáveis de regulação se mostraram relevantes na explicação do nível de endividamento dessas organizações: a complexidade dos procedimentos e o nível de especialização. Ademais, observou-se que a maior especialização dos hospitais filantrópicos tendeu a melhorar o seu resultado em termos de criação de valor.

Palavras-chave: Hospitais Filantrópicos; Informações Contábeis; Sistema Único de Saúde (SUS); Decisões Financeiras; Regulação.

USING ACCOUNTING INFORMATION IN HEALTH:

an analysis in voluntary brazilian hospitals under regulation of the Unified Health System (SUS)

Abstract

The research presented on this paper aimed at analyzing the influence of the regulation of Unified Health System (SUS) over financial decisions and performance of voluntary Brazilian hospitals. In order to develop that research, we used accounting information. It was a quantitative, descriptive, correlational, ex post facto and longitudinalstudy.  We employed financial data from hospitals’ financial statements and operational data from SUS Information Technology Department (DATASUS) and the National Register of Health Establishments (CNES). The sample was composed by hospital which present publicly both financial and operational data from 2010 to 2015. We employ the following techniques in order to analyzing data: descriptive statistics, Kruskal-Wallis’ test, Kolmogorov-Smirnov’ test, chi-squared statistics, and panel data analysis. It was observed a precarious working capital management in voluntary hospitals. Moreover, two regulation’ variables were relevant in explaning these organizations’ debt levels: procedures complexity and level of specialization. Furthermore, we show that the higher hospital level of specialization implied in better results in terms of valuecreation.

Keywords: Voluntary Hospitals; Accounting Information; Unified Health System (SUS); Financial Decisions; Regulation.

1  INTRODUÇÃO

Os gestores das organizações usualmente devem tomar diversas decisões que influenciam o desempenho econômico-financeiro dessas entidades. Dentre tais decisões, destacam-se aquelas ligadas a investimentos, financiamentos e gestão do capital de giro (DAMODARAN, 2004; PADOVEZE; BENEDICTO, 2014). Os efeitos dessas decisões podem ser mensurados a partir de informações geradas pela Contabilidade (ROSS et al., 2015). Tal situação também se aplica no que se refere a organizações de saúde, nas quais informações contábeis têm sido amplamente empregadas para se analisar os efeitos de decisões financeiras sobre o seu desempenho econômico-financeiro (GRUEN; HOWARTH, 2005; CANAZARO, 2007; VELOSO; MALIK, 2010; AVELAR, 2018).

De acordo com Pekcan et al. (2011), a área da saúde pode ser considerada uma das mais importantes da economia global. Segundo estes autores, a análise da área da saúde é essencial para a sociedade, especialmente devido ao grande volume de fundos públicos nela alocados. Para se contextualizar adequadamente a discussão sobre o tema “saúde” no Brasil, é essencial mencionar o Artigo nº 196 da Constituição Federal, segundo o qual a saúde é “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Complementarmente, a carta magna também institui, em seu Artigo nº 199, que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada” (BRASIL, 1988). Assim, criou-se no país um sistema no qual todos os cidadãos têm direito à assistência à saúde provida pelo governo, assim como, de forma complementar, podem acessar serviços de organizações privadas.

No que tange aos serviços de saúde oferecidos pelo governo, deve-se que ressaltar a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da Lei nº 8.080, de 1990. Segundo o Artigo 4º da referida legislação, o SUS pode ser compreendido como o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (BRASIL, 1990). Paim et al. (2011) destacam que o SUS tem o objetivo de prover uma atenção abrangente e universal, preventiva e curativa, com base na gestão e na prestação descentralizadas de serviços de saúde, promovendo a efetiva participação da comunidade em todos os níveis de governo.

No caso do SUS, apesar de não ser explicitamente exposto como objetivo prioritário do sistema, ao exercer suas funções ordinárias, concomitantemente, há o exercício de fortes atividades regulatórias na cadeia produtiva da saúde brasileira. Assim, há importantes impactos no desempenho econômico-financeiro das organizações, em especial dos hospitais filantrópicos, organizações privadas que são obrigadas, por lei, a manter grande parte de seus leitos disponível ao SUS (BRASIL, 2014). Desse modo, segundo Cunha et al. (2014), uma vez que os hospitais filantrópicos têm o SUS como principal financiador, eles ficam bastante dependentes da regulação do sistema.

Diante do exposto, a pesquisa apresentada neste artigo visou analisar a influência da regulação do SUS sobre as decisões e o desempenho econômico-financeiro de hospitais filantrópicos brasileiros empregando informações contábeis. Especificamente, visou-se: (a) identificar normas no marco regulatório, ao qual estão subordinados aos hospitais filantrópicos, que tenham potencial de influenciar as decisões financeiras dessas organizações; (b) analisar os efeitos da regulação da saúde sobre as decisões de investimento, de financiamento e gestão de capital de giro das organizações estudadas; e (c) discutir os achados à luz de stakeholders (partes interessadas) dessas organizações.

A realização de pesquisas sobre a regulação de organizações de saúde e seu efeito nas decisões e no desempenho das mesmas é muito importante, se avaliada sob uma série de perspectivas. Primeiramente, tem-se a importância dessas organizações para o sistema de saúde do país (VARELLA; CESCHIN, 2014). Além disso, muitos hospitais filantrópicos brasileiros apresentam problemas de gestão (SOUZA, 2013). Ademais, salienta-se o alto investimento, tanto de recursos públicos quanto privados no sistema de saúde nacional. Por fim, ressalta-se que hospitais filantrópicos são impactados negativamente por problemas econômico-financeiros (CONFEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS DE MISERICÓRDIA, HOSPITAIS E ENTIDADES FILANTRÓPICAS, 2016).

 

2 REVISÃO DA LITERATURA

Damodaran (2004) destaca duas importantes decisões em finanças corporativas que são: decisões de investimento e decisões de financiamento. Por sua vez, Padoveze e Benedicto (2014) também ressaltam a importância das decisões operacionais da empresa, ligadas ao capital de giro. As subseções de 2.1 a 2.3 abordam cada uma dessas decisões e como seus efeitos podem ser mensurados por meio das informações contábeis. Por fim, a subseção 2.4 aprofunda na descrição dos hospitais filantrópicos e as hipóteses da pesquisa.

 

 

 

2.1 Decisões de Investimento

De acordo com Damodaran (2004), as decisões de investimentos são as mais importantes dentre as decisões financeiras, refletindo-se em um compromisso com a continuidade da organização. Em geral, diversas técnicas são empregadas para a análise de decisões de investimentos. Salienta-se que as consideradas mais relevantes são aquelas que consideram fluxos de caixa descontados e o custo de oportunidade (ROSS et al. 2015). Segundo Vieira (2008), um investimento com valor presente líquido (VPL) positivo representaria criação de valor para a organização, enquanto um investimento com VPL negativo destruiria valor.

Nesse contexto, surgiu o conceito de valor econômico agregado (VEA), uma medida de criação de valor relacionada ao desempenho operacional da organização (CORRÊA et al., 2013). De acordo com Vogel (2011), o conceito de VEA tenta determinar o lucro econômico real da empresa, combinando conceitos de contabilidade e finanças para mensurar se as operações aumentaram a riqueza dos proprietários em um período.

Salienta-se que, apesar de a criação de valor ser normalmente empregada no caso de empresas convencionais, tal conceito também pode ser aplicado a outros tipos de organizações. Mesmo em organizações sem fins lucrativos como as filantrópicas, a criação de valor é considerada importante. Jergers (2011), afirma que a diferença entre as entidades sem fins lucrativos e com fins lucrativos é no que tange à distribuição de resultados. Nesse sentido, Assaf Neto et al. (2006) afirmam que o objetivo maior de organizações filantrópicas deve ser maximizar os benefícios gerados com cada unidade monetária arrecadada. Assim, o lucro indicaria o uso eficiente dos recursos, ou seja, foi possível repor os gastos e ainda existiriam recursos para reinvestimento. Nesse caso, os autores destacam que uma forma de se calcular o custo do capital desse tipo de organização para avaliar a criação de valor é utilizar o custo do capital de terceiros, visto que, caso não haja doações, a empresa terá que recorrer a esse capital para sustentar suas operações.

No Quadro 1 apresentam-se algumas variáveis, mensuradas com base em informações contábeis, que são relevantes para a determinação do VEA de uma organização. Tais variáveis podem ser chamadas de direcionadores de valor. Segundo Vogel (2011), direcionadores de valor podem ser compreendidos como componentes que exprimam influência sobre o valor da organização, auxiliando os gestores na tomada de decisão. Pode-se dizer que a “análise desses indicadores deve permitir que se estude toda a cadeia de resultados que agrega valor para a organização, assim como as áreas responsáveis pelas várias decisões, identificando seus pontos fortes e débeis” (ASSAF NETO, 2012, p. 166).

Quadro 1 - Variáveis relacionadas à criação de valor (VEA)

Variável

Sigla

Cálculo

Referências

Valor econômico agregado

VEA

RAOL – CMPC

Damodaran (2012), Assaf Neto (2012) e Padoveze e Benedicto (2014).

Crescimento

CRE

(ATt+1 – ATt) ÷ ATt

Titman e Wessels (1988), Perobelli e Fama (2002)

Spread do patrimônio líquido

SPL

ROE – CCP

Assaf Neto (2012)

Tamanho

TAM

ln(AT)

Lemon e Zender (2010) e Forte et al. (2013).

Lucratividade/rentabilidade

LUC

EBIT ÷ RL

Titman e Wessels (1988), Perobelli e Fama (2002)

Giro do ativo operacional

GAO

RL ÷ AOL

Padoveze e Benedicto (2014)

Notas: IR – Tributos sobre o lucro; RL – Receita líquida; AT – Ativo total; CCP – Custo do capital próprio; EBIT – Earnings before interest and taxes.

Fonte: Elaborado pelos autores

 

2.2 Decisões de financiamento

As decisões de financiamento estão relacionadas às melhores ofertas de recursos às organizações, as quais, usualmente, têm variadas fontes de captação de recursos à sua disposição, tais como fornecedores, instituições financeiras, acionistas etc. (DAMODARAN, 2004). As decisões de financiamento são destacadas em finanças, primordialmente nos estudos sobre estrutura de capital.

Brito et al. (2007) ressaltam que a estrutura de capital se refere à forma como as organizações empregam capital próprio ou de terceiros para financiar seus ativos. Em linhas gerais, destacam os autores, o capital próprio se refere àquele fornecido pelos proprietários, enquanto o de terceiros se refere aos recursos obtidos por meio de dívidas.

Os autores supracitados também destacam que as teorias sobre estrutura de capital foram desenvolvidas em conjunto com a realização de uma série de pesquisas empíricas que visaram identificar as variáveis que determinam o nível de endividamento das empresas. Dentre as principais variáveis normalmente empregadas em diversos estudos nacionais e internacionais, podem ser citadas a tangibilidade dos ativos, o tamanho da empresa, a lucratividade/rentabilidade, o crescimento, a singularidade, os benefícios fiscais não provenientes de dívidas, a tributação e o risco (TITMAN; WESSELS, 1988; RAJAN; ZINGALES, 1995; PEROBELLI; FAMA, 2002; FRANK; GOYAL, 2009; POHLMANN; IUDÍCIBUS, 2010; FORTE et al., 2013; CORREA et al., 2013). Tais variáveis calculadas com base em informações contábeis são apresentadas no Quadro 2.

 

 

 

Quadro 1 - Variáveis empregadas nos modelos para endividamento (decisões de financiamento)

Variável

Sigla

Cálculo

Referências

Endividamento geral

EGA

(PC + PNC) ÷ AT

Brito et al. (2007), Ceretta et al. (2009), Corrêa et al. (2013), Forte et al. (2013) e Avelar et al. (2017).

Endividamento de curto prazo

ECP

PC ÷ AT

Brito et al. (2007), Forte et al. (2013) e Avelar et al. (2017)

Endividamento de longo prazo

ELP

PNC ÷ AT

Brito et al. (2007) e Avelar et al. (2017).

Tangibilidade

TAN

AF ÷ AT

Rajan e Zingales (1995), Brito et al. (2007) e Ceretta et al. (2009).

Tamanho

TAM

ln(AT)

Fama e French (2002), Lemon e Zender (2010) e Forte et al. (2013).

Lucratividade/rentabilidade

LUC

EBIT ÷ RL

Titman e Wessels (1988), Perobelli e Fama (2002) e Pohlmann e Iudícibus (2010).

Crescimento

CRES

(ATt+1 – ATt) ÷ ATt

Titman e Wessels (1988), Perobelli e Fama (2002) e Avelar et al. (2017).

Escudo fiscal não proveniente de dívidas

EFNPD

(DEP+AMOR) ÷ AT

Ceretta et al. (2009)

Singularidade

SIN

INT ÷ AT

Titman e Wessels (1988), Perobelli e Fama (2002) e Avelar et al. (2017).

Risco

RIS

AC ÷ PC

Ceretta et al. (2009).

Notas: AC – Ativo circulante; PC – Passivo circulante; PNC – Passivo não circulante; RL – Receita líquida; AT – Ativo total; CPV – custos dos produtos vendidos; RL – Receita líquida; AT – Ativo total; PL – Patrimônio líquido; EBIT – Earnings before interest and taxes; AF – Ativo fixo; DEP – Depreciação; AMOR – Amortização; INT – Intangível.

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

É importante destacar, ainda, que alguns autores, como Cavalcanti et al.  (2016), ressaltam a importância de se considerar as variáveis determinantes do nível de endividamento, de acordo com aspecto temporal do mesmo. Ou seja, há variáveis que seriam mais relevantes para explicar o nível de endividamento de curto prazo e outras para explicar o fenômeno no longo prazo (CAVALCANTI et al., 2016).

 

2.3 Gestão do capital de giro

A gestão do capital de giro pode ser analisada sob a perspectiva do modelo dinâmico (ou Fleuriet) (AVELAR; SOUZA, 2018). Segundo Francisco et al. (2012), o modelo dinâmico foi introduzido no Brasil a partir da colaboração entre o professor francês Michel Fleuriet e a Fundação Dom Cabral. Para Fleuriet et al. (2003), a análise a partir do modelo dinâmico depende de três variáveis calculadas a partir de informações contábeis do balanço funcional: a necessidade de capital de giro (NCG), o capital de giro (CDG) e o saldo de tesouraria (SDT). No Quadro 3 apresentam-se as formas de cálculo de cada uma das variáveis de análise do modelo dinâmico.  Na Figura 1, evidenciam-se as relações entre os conceitos de ativos e passivos e as variáveis do modelo dinâmico.

 

Quadro 2 - Cálculo das variáveis do modelo dinâmico

Variável

Sigla

Cálculo

Capital de giro

CDG

Passivo estratégico (PE) – Ativo estratégico (AE)

Necessidade de capital de giro

NCG

Ativo operacional (AO) – Passivo operacional (PO)

Saldo em tesouraria

SDT

Ativo financeiro (AF) – Passivo financeiro (PF)

Fonte: Adaptado de Francisco et al. (2012)

 

Figura 1 - Relações entre os conceitos e as variáveis do modelo dinâmico

Fonte: Adaptado de Braga (1991).

 

A partir das variáveis CDG, NCG e SDT, Braga (1991), Marques e Braga (1995) e Avelar (2018) definiram perfis financeiros (estruturas financeiras) de empresas empregadas em estudos sobre o modelo dinâmico. No Quadro 4, apresenta-se um resumo dos perfis de empresas relativos a seus perfis financeiros.

 

Quadro 3 - Tipos de perfis financeiros a partir das variáveis calculadas do modelo dinâmico

Tipo

CDG

NCG

SDT

Classificação geral

Classificação complementar

I

+

-

+

Excelente

Boa

II

+

+

+

Sólida

Boa

III

+

+

-

Insatisfatória

Regular

IV

-

+

-

Péssima

Ruim

V

-

-

-

Muito ruim

Ruim

VI

-

-

+

Alto risco

Regular

Fonte: Adaptado de Braga (1991) e Marques e Braga (1995) no que se refere à Classificação geral; e Avelar (2018), no que se refere a Classificação complementar.

 

2.4 Hospitais filantrópicos e hipóteses

Dentre as diferentes tipologias de hospitais, neste artigo enfocam-se, especialmente, os hospitais filantrópicos, organizações de natureza jurídica privada que não têm fins lucrativos. De acordo com Brasil (2009a?), são considerados filantrópicos os hospitais detentores do certificado de entidade beneficente de assistência social (CEAS), concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Veloso e Malik (2010) ressaltam que hospitais nessas condições, a priori, podem usufruir de isenções fiscais.

Pode-se dizer que os hospitais filantrópicos são obrigados a manter estreita relação com o SUS. Isso ocorre porque, segundo a Lei nº 12.101, de 2009, a organização filantrópica deve “celebrar contrato, convênio ou instrumento congênere com o gestor do SUS” (BRASIL, 2009b). O Decreto nº 8.242, de 2014, que dispõe sobre o processo de certificação das entidades beneficentes de assistência social e sobre procedimentos de isenção das contribuições para a seguridade social, destaca que essas organizações devem prestar, no mínimo, 60% dos seus serviços ao SUS (BRASIL, 2014). Assim, segundo autores como Cunha et al. (2014), uma vez que os hospitais filantrópicos têm o SUS como principal financiador, eles ficam bastante dependentes da regulação do sistema.

Contudo, segundo Souza (2013), a tabela para remuneração de procedimentos realizados por meio desse sistema é defasada.  Brilinger et al. (2015), destacam que essa defasagem nos valores repassados para os hospitais pelo SUS contribui para o déficit financeiro das organizações e pode anular os benefícios advindos da filantropia (tal como a redução da carga tributária). Com base no exposto, desenvolveu-se a Hipótese 1.

 

Hipótese 1

A maior proporção de serviços prestados ao SUS pelos hospitais filantrópicos tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

 

Por outro lado, tal como afirmam Forgia e Couttolenc (2009), a defasagem na Tabela de Procedimentos do SUS é heterogênea entre os procedimentos, sendo mais bem remunerados aqueles com maior nível de complexidade. Ainda segundo os mesmos autores, muitos hospitais tendem a se especializar para alcançar um melhor desempenho econômico-financeiro. Tal constatação é comprovada por Souza et al. (2014), que evidenciaram que há associação positiva e significativa entre os hospitais especializados e os indicadores de liquidez e rentabilidade. Inclusive, os autores também ressaltaram que tal situação pode levar à especialização de alguns hospitais. Assim, com base no exposto, desenvolveram-se as hipóteses 2 e 3.

 

Hipótese 2

O maior nível de complexidade dos serviços prestados via SUS, pelos hospitais filantrópicos, tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

 

Hipótese 3

O fato de os hospitais que prestam serviços ao SUS serem especializados tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

 

Para análise dessas variáveis não financeiras dos hospitais filantrópicos foram propostas quatro variáveis: SUS, Indicador de complexidade (IC) e Especialidade do hospital (ESP). Tais variáveis são apresentadas no Quadro 5.

 

Quadro 5 – Variáveis propostas sobre a regulação do SUS em relação aos hospitais filantrópicos

Variável

Sigla

Cálculo

Relação com o SUS

SUS

Receita SUS ÷ Receita total

Especialidade do hospital

ESP

Se o hospital é especializado, 1; se o hospital for geral, 0.

Indicador de complexidade

IC

Receita SIA-SUS ÷ Receita SUS

Fonte: Elaborado pelos autores

 

3 METODOLOGIA

A pesquisa apresentada neste artigo pode ser classificada essencialmente como quantitativa, descritiva, correlacional, ex post facto e longitudinal (MALHOTRA; BIRKS, 2007; SAMPIERI et al., 2006). Para o desenvolvimento da pesquisa, foram empregados dados secundários. Foram coletados, especialmente, dados contábeis provenientes das demonstrações contábeis publicadas pelas organizações que compuseram a amostra. Também foram utilizados dados operacionais e categóricos coletados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) para complementar as análises. É importante salientar que parte dos dados operacionais foi obtida a partir de solicitações diretas ao MS, a partir de solicitações de informações fundamentadas na Lei nº 12.527, de 2011 (Lei de Acesso à Informação).

A amostra da pesquisa foi composta por hospitais que apresentaram seus dados contábeis e operacionais de forma pública no período de análise. É importante destacar que foram coletados dados a partir de 2010, devido à significativa convergência das normas brasileiras de Contabilidade às normas internacionais a partir do referido ano (ERNEST & YOUNG, 2010). Já no caso do ano de 2015, este foi o ano mais recente aos quais os autores tiveram acesso durante o período de desenvolvimento da pesquisa. A Tabela 1 apresenta a amostra de organizações estudadas ao longo de cada um dos anos por grupo.

 

 

Tabela 1: Número de hospitais estudados por ano

Ano

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Total

Número de hospitais estudados

33

35

34

35

35

30

202

Fonte: Dados da pesquisa

 

Após a coleta e o tratamento dos dados, foram aplicadas as seguintes técnicas de análise: análise documental, estatística descritiva, teste de Kolmogorov–Smirnov, teste de Kruskal-Wallis, estatística do Qui-quadrado e análise de regressão com dados em painel. Conforme Bardin (2002), a análise documental pode ser realizada a partir de qualquer registro escrito ou em meio magnético utilizado como fonte de informação. Na pesquisa ora apresentada, tal técnica foi empregada na legislação e normas relacionadas ao SUS, de forma a identificar variáveis que pudessem influenciar o desempenho econômico-financeiro das organizações estudadas.

A estatística descritiva, por sua vez, é uma forma de apresentar descrições quantitativas de modo manejável, sendo que, às vezes, descrevem-se variáveis isoladamente e, outras vezes, as associações que ligam uma variável a outra (BABBIE, 1999). Na pesquisa desenvolvida, a estatística descritiva foi empregada para se analisar especialmente informações sobre medidas de tendência central, assim como a dispersão das informações econômico-financeiras e operacionais dos hospitais estudados. Já o teste Kolmogorov–Smirnov foi empregado para se analisar a normalidade de cada variável.

Por sua vez, a estatística do Qui-quadrado foi empregada para operacionalizar testes para a independência. Nesses casos, testa-se “a hipótese nula de que dois atributos (características) dos elementos de uma determinada população não são relacionados [...], contra a hipótese alternativa de que as duas características são relacionadas (ou seja, elas são dependentes)” (MANN, 2006, p. 498). Na pesquisa apresentada neste artigo, esse teste foi empregado para analisar a relação entre as variáveis nominais financeiras (perfis financeiros do modelo dinâmico) e as variáveis nominais de regulação.

Já o teste de Kruskal-Wallis é definido, por Maroco (2010), como uma alternativa não paramétrica para testar se duas ou mais amostras proveem de populações semelhantes ou de populações diferentes. Na pesquisa desenvolvida, esse teste foi empregado para analisar se havia diferenças significativas entre as informações econômico-financeiras das organizações estudadas. Os grupos para este teste foram desenvolvidos com base nas variáveis nominais relacionadas à regulação dos hospitais filantrópicos.

Por fim, no que se relaciona à análise de regressão com dados em painel, ela possibilita que se compreenda o comportamento de fenômenos, características e outras unidades de observação ao longo de um período (GREENE, 2003). Ressalta-se que, em casos de heteroscedasticidade e presença de autocorrelação dos resíduos, empregou-se o modelo de Arellano (1993 apud ARELLANO, 2003) para corrigir tais disfunções. No estudo realizado, a análise de regressão com dados em painel foi empregada para o desenvolvimento de modelos que explicassem a influência de variáveis relacionadas à regulação do SUS sobre as diferentes organizações analisadas. Neste caso, foram tratadas como variáveis dependentes as seguintes: (a) VEA – referente às decisões de investimento; e (b) EGA, endividamento de curto prazo (ECP) e endividamento de longo prazo (ELP) – referente às decisões de financiamento (em diferentes horizontes temporais). Foram empregadas como variáveis independentes, além das relacionadas à regulação (tais como as citadas no Quadro 5), as variáveis empregadas em estudos clássicos e empíricos, tais como os citados nos quadros 1e 2 deste artigo. Os modelos estimados são apresentados nas equações de 1 a 4.

 

(1)

(2)

(3)

(4)

 

Salienta-se que, para a operacionalização da análise de regressão com dados em painel, empregou-se o software R versão 3.4.2 (especialmente, o pacote plm). No caso das demais técnicas estatísticas empregadas (estatística descritiva, estatística do qui-quadrado e teste de Kruskal-Wallis), utilizaram-se o software MS-Excel e o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS).

 

4 RESULTADOS

Nesta seção, apresentam-se os resultados da pesquisa empírica. Primeiramente, descrevem-se os resultados relacionados à aplicação do modelo dinâmico para análise da gestão do capital de giro dos hospitais filantrópicos (subseção 4.1). Posteriormente, a análise da influência da regulação sobre o nível de endividamento (decisões de financiamento) dessas organizações é apresentada na subseção 4.2. Em seguida, na subseção 4.3, apresenta-se a análise da influência da regulação sobre o VEA (decisões de investimentos) dos hospitais. Por fim, tem-se uma discussão geral na subseção 4.4.

 

4.1 Análise a partir do modelo dinâmico

A partir da análise dos hospitais filantrópicos, apresenta-se, na Tabela 2, a frequência da classificação em cada um dos perfis financeiros dessas organizações, ao longo do período de análise. As mesmas informações estão representadas graficamente na Figura 1. Observa-se que, ao longo de todo o período de análise, o perfil financeiro mais frequente foi o classificado como sólido (31,2% das observações). Contudo, essa predominância não foi observada em todos os anos; em 2011 e 2014, por exemplo, a estrutura “muito ruim” foi a mais frequente.

 

Tabela 2 - Classificação dos perfis financeiros dos hospitais filantrópicos, no período de 2010 a 2015

Ano

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Excelente

1

2

3

5

9

5

Sólido

11

8

14

12

8

10

Alto risco

5

4

3

3

2

3

Insatisfatório

5

5

3

4

2

2

Muito ruim

8

11

10

9

9

7

Péssimo

3

5

1

2

5

3

Fonte: Dados da pesquisa

 

Figura 1 - Classificação dos perfis financeiros dos hospitais filantrópicos, no período de 2010 a 2015

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados da pesquisa.

 

Por sua vez, na Tabela 3, apresenta-se a classificação complementar dos perfis financeiros dos hospitais filantrópicos, resultados que indicam a prevalência das estruturas boas a partir de 2012 e uma queda das ruins quase que constante ao longo do período de análise. Ao se analisar a relação entre os perfis financeiros observados e as variáveis de regulação analisadas neste artigo, o teste de Kruskal-Wallis não indicou quaisquer diferenças estatisticamente significantes. O mesmo ocorreu no caso da estatística do Qui-quadrado, que não indicou nenhuma associação assimétrica e estatisticamente significante (a menos de 5,0%) entre a classificação complementar dos perfis financeiros e qualquer outra variável de regulação.

 

Tabela 3 - Classificação complementar dos perfis financeiros dos hospitais filantrópicos, no período de 2010 a 2015

Ano

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Total

Bom

12

10

17

17

17

15

88

Regular

10

9

6

7

4

5

41

Ruim

11

16

11

11

14

10

73

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

4.2 Regulação e decisões de financiamento

Nesta subseção, apresenta-se uma análise do efeito das variáveis regulatórias sobre as decisões de financiamento dos hospitais filantrópicos. Os dados da Figura 2 mostram a evolução da mediana das variáveis dependentes (EGA, ECP e ELP) envolvidas nos modelos estimados para essas organizações. Observa-se, em geral, preferência de capital terceiros em detrimento do capital próprio, contudo, verificou-se forte queda, no último ano, dos valores da mediana dos indicadores de EGA e ECP.

 

Figura 2 - Evolução das medianas das variáveis dependentes dos modelos estimados para os hospitais filantrópicos.

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados da pesquisa.

 

Na Tabela 4, apresentam-se os resultados dos modelos estimados para o endividamento dos hospitais filantrópicos. Nos casos em que os testes indicaram heteroscedasticidade e presença de autocorrelação nos resíduos, empregou-se o modelo de Arellano para corrigir tais divergências.

 

Tabela 4: Estatísticas do modelo EGA para os hospitais filantrópicos

Variável Y

EGA

ECP

ELP

Equação

1

2

3

Modelo

Efeitos fixos

Efeitos fixos

Efeitos fixos

Variável

Coeficiente

P-valor

Coeficiente

P-valor

Coeficiente

P-valor

RISC

-0,29

0,00

-0,14

0,00

-0,11

0,00

TAM

-0,07

0,10

-0,06

0,05

-0,07

0,04

TANG

-1,36

0,01

-0,42

0,00

-0,94

0,00

SING

0,63

0,15

-1564,60

0,49

3649,41

0,33

EFNPD

-2,59

0,51

-2,24

0,21

-3,07

0,35

CRES

-0,14

0,49

-0,02

0,84

-0,02

0,93

SUS

-0,03

0,86

0,07

0,28

-0,09

0,48

IC

-0,36

0,05

0,13

0,33

-0,18

0,30

ESP

-0,31

0,00

-0,04

0,38

-0,27

0,00

 

R2 ajustado

87,40%

R2 ajustado

68,30%

R2 ajustado

68,00%

 

Teste F

22,96

Teste F

54,45

Teste F

7,81

Fonte: Dados da pesquisa.

 

A análise dos resultados da Tabela 4 indica que, dentre as variáveis relacionadas ao endividamento geral (EGA), foram consideradas significantes RIS e TANG. Aquela primeira variável apresentou sinal negativo, coerente com os dados encontrados na literatura sobre o tema, ao contrário da variável TANG. No que se refere às variáveis relacionadas à regulação, considerou-se significante a variável IC que, nesse caso, apresentou sinal negativo.  No que se refere às estatísticas do modelo ECP, verificou-se que somente as variáveis RIS e TANG foram significantes. Novamente, os sinais negativos de ambas as variáveis demonstram consonância com dados encontrados na literatura, no caso daquela primeira variável e dissonância, no caso da segunda.

Por fim, as estatísticas do modelo ELP para os hospitais filantrópicos indicaram que, dentre as variáveis relacionadas ao endividamento, RISC, TAM e TANG foram consideradas significantes. Em todos os casos, os coeficientes estimados foram negativos. No caso daquela primeira variável, o sinal negativo corrobora o esperado de acordo com a literatura. No caso da variável TAM, o resultado vai contra o esperado por parte da literatura. Por fim, no caso da variável TANG, o resultado vai contra o esperado de acordo com a literatura. Salienta-se que, nesse modelo, o coeficiente negativo da variável ESP também foi considerado significante.

 

4.3 Regulação e decisões de investimento

Apresenta-se, a seguir, a análise do efeito das variáveis regulatórias sobre as decisões de investimento os hospitais filantrópicos estudados. Na Figura 3, é possível observar o número de hospitais filantrópicos estudados que geraram e que destruíram valor ao longo do período de análise. Observa-se que, em todos os anos, o número de hospitais que destruíram valor foi bastante superior ao dos que agregaram valor (em 2011, todos os hospitais estudados destruíram valor). No geral, em 88,7% das observações, houve destruição de valor por partes dos hospitais. Contudo, nos quatro últimos anos, houve um aumento no número de hospitais que agregaram valor.

 

Figura 3 - Número de hospitais filantrópicos que geraram e que destruíram valor entre 2010 e 2015.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Dados da pesquisa.

 

Na Tabela 5, apresentam-se os resultados do modelo estimado para o VEA dos hospitais filantrópicos estudados. Os testes de Shapiro-Wilk, Breusch-Pagan e Durbin-Watson demonstraram normalidade, homoscedasticidade e ausência de correlação os resíduos, respectivamente. A análise dos resultados da Tabela 5 indica que, dentre as variáveis relacionadas ao VEA, duas foram consideradas significantes, GAF e LUC. O sinal positivo de ambos os coeficientes corrobora o exposto na literatura. No que tange à regulação, o coeficiente da variável ESP foi positivo e bastante significante.


 

Tabela 5 - Estatísticas do modelo VEA para os hospitais filantrópicos

Variável Y

VEA

Equação

4

Modelo

Efeitos fixos

Variável

Coeficiente

P-valor

TAM

0,00

0,73

CRES

0,04

0,77

GAF

0,19

0,05

LUC

0,58

0,05

GAO

0,01

0,81

SPL

0,22

0,23

SUS

-0,08

0,57

IC

-0,16

0,32

ESP

0,16

0,00

R2 ajustado

74,20%

 

Teste F

7,18

 

Fonte: Dados da pesquisa.

 

4.4 Discussão geral

A análise da gestão do capital de giro dos hospitais filantrópicos indicou uma ampla variabilidade dos perfis financeiros dessas organizações ao longo do tempo. Ao se analisar as variáveis determinantes do endividamento dos hospitais analisados, observou-se que algumas daquelas relacionadas à regulação foram significativas, quais sejam ESP e IC. Em ambos os casos, constatou-se relação negativa no que tange ao endividamento geral. Assim, a menor complexidade tendeu a aumentar o nível de endividamento geral, enquanto a especialização do hospital, a reduzi-lo. Ressalta-se que o mesmo resultado, no que tange à variável ESP, também foi observado ao se analisar o endividamento no longo prazo.

Quanto à criação de valor, verificou-se que a especialização das organizações demonstrou tendência de melhorar esse processo nos hospitais filantrópicos. Tal resultado foi consistente com o esperado com base em Forgia e Couttolenc (2009), que afirmaram que muitos hospitais tendem a se especializar para melhorar seu desempenho. É importante ressaltar que a variável SUS não foi relevante em nenhum dos modelos. Tal constatação vai contra o relatado por Oliveira et al. (2005), que verificaram que a prestação de serviços via SUS tende a piorar o resultado das organizações hospitalares, destruindo valor. No Quadro 6, destacam-se as conclusões sobre cada uma das hipóteses desenvolvidas na seção 2.4.

 

 

 

 

Quadro 6 - Resumo das conclusões referentes às hipóteses desenvolvidas a respeito dos efeitos da regulação sobre o desempenho econômico-financeiro dos hospitais filantrópicos.

Hipótese

Conclusão

H1

A maior proporção de serviços prestados ao SUS pelos hospitais filantrópicos não tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

H2

O maior nível de complexidade dos serviços prestados via SUS pelos hospitais filantrópicos tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

H3

O fato de os hospitais serem especializados tem relação significativa com o desempenho econômico-financeiro dessas organizações.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

5 CONCLUSÕES

A pesquisa apresentada neste artigo visou analisar a influência da regulação do SUS sobre as decisões e o desempenho econômico-financeiro de hospitais filantrópicos brasileiros empregando informações contábeis. Salienta-se que se verificou uma precariedade na gestão do capital de giro no caso dos hospitais filantrópicos. É importante destacar que, apesar de Vieira (2008) afirmar que o perfil insatisfatório é o mais comum nas empresas brasileiras, o mesmo não foi tão frequente nas organizações de saúde estudadas.

Ao se analisar as decisões de financiamento dos hospitais filantrópicos, duas variáveis de regulação se mostraram relevantes na explicação do nível de endividamento dessas organizações: a complexidade dos procedimentos e o nível de especialização. Nesse caso, os resultados foram ao encontro do esperado por autores como Canazaro (2007) e Souza et al. (2014). Ademais, é importante destacar que a significância das variáveis (tanto as tradicionais de financiamento quanto as de regulação) dependeu do horizonte temporal abordado (curto ou longo prazo). Tal constatação destaca a importância de se considerar o endividamento em diversos horizontes temporais, tal como realçam Cavalcanti et al. (2016).

Observou-se que a maior especialização dos hospitais filantrópicos tendeu a melhorar o seu resultado em termos de criação de valor. Tal resultado ratifica o esperado com base em Souza et al. (2014) e Forgia e Couttolenc (2009), que ressaltam essa estratégia dos hospitais filantrópicos para melhorar seu desempenho e questionam a contribuição dessa atitude para o sistema de saúde como um todo. Por outro lado, é importante destacar que, nos modelos estimados, não se verificou que a relação com o SUS tendeu a piorar o resultado dessas organizações. Tal resultado vai de encontro ao que foi relatado por autores como Oliveira et al. (2005), Canazaro (2007) e Cunha et al. (2014), que afirmaram que a maior proporção de serviços ao SUS tende a piorar o desempenho econômico dos hospitais filantrópicos.

Podem ser citadas diversas contribuições da pesquisa apresentadas neste artigo para o conhecimento na área estudada: (a) realçou-se a importância da regulação nas decisões financeiras e no desempenho econômico-financeiro das organizações de saúde estudadas; (b) deixou-se clara a relação entre diversas normas regulatórias e o desempenho das organizações de saúde; (c) evidenciou-se a importância de se considerar a regulação no desempenho dessas organizações e, consequentemente, na quantidade e na qualidade do serviço prestado à sociedade; (d) demonstrou a validade de variáveis tradicionais baseadas em informações contábeis em modelos para explicar endividamento e criação de valor em organizações de saúde; e (e) foram propostas variáveis regulatórias para auxiliar na explicação do endividamento e da criação de valor em organizações de saúde.

Todavia, apesar das contribuições supracitadas, é relevante destacar as limitações do estudo desenvolvido. Primeiramente, ressalta-se a amostra limitada. Devido à necessidade de se obterem, simultaneamente, tanto dados contábeis quanto operacionais, houve uma restrição no número de organizações estudadas. Salienta-se, ainda, que, no caso dos dados contábeis obtidos a partir do DATASUS para hospitais filantrópicos, eles são registrados pelo regime de caixa e não de competência, como no caso das demonstrações contábeis, o que pode ter distorcido parcialmente alguns dos valores dos indicadores empregados para avaliar a regulação do SUS. Ademais, apesar dos esforços no desenvolvimento das variáveis de regulação, as mesmas são limitadas diante dos dados disponíveis para o seu cálculo.

Diante das contribuições e das limitações citadas, pesquisas futuras poderiam testar as variáveis de regulação propostas no estudo ora apresentado em outros contextos, sejam de novas amostras ou diferentes horizontes temporais. Além disso, tais estudos poderiam propor novas variáveis a serem exploradas no que tange à regulação das organizações de saúde. As especificidades de cada organização, as relações de cada uma, poderiam ser exploradas individualmente, de forma a entender melhor os contextos para explicar as relações que geraram as relações observadas. Poder-se-ia, ainda, desenvolver pesquisas, sob a visão dos reguladores do SUS e dos gestores hospitalares, sobre os efeitos da regulação sobre as organizações estudadas. Tais pesquisas poderiam ter um enfoque mais qualitativo, a partir de técnicas de coleta de dados, como entrevistas semiestruturadas e grupos focais. Em complemento, poderiam ser aplicados questionários para compreender melhor a percepção de cada grupo sobre a regulação das organizações ora estudadas.

 

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[1] Professor Adjunto do Departamento de Ciências Contábeis da UFMG. Doutor em Administração pela UFMG.

[2] Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).