A comunicação científica em tempos de pandemia do Covid-19
preprints, informação válida e ciência rápida
Lidiane dos Santos Carvalho[1]
Fundação Oswaldo Cruz
lidiane.carvo@gmail.com
Clóvis Ricardo Montenegro de Lima[2]
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
Wânia Cristina Morais de Macêdo[3]
Universidade Federal da Paraíba
waniamacedojp@gmail.com
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Resumo
Este estudo investiga mudanças, melhorias e inovações ocorridas na comunicação científica no campo da saúde durante a pandemia provocada pela COVID-19. Os procedimentos metodológicos usados consistiram em uma adaptação da estratégia de revisão sistemática empregada nas ciências naturais denominada PICO e a fonte de dados foi a Literatura publicada na Web of Science. Os resultados destes estudos indicam melhorias e inovações que discutem a credibilidade da informação científica, a revisão por pares e os sistemas de informação científica, bem como as suas formas de compartilhamento. Conclui-se que o modo como se valida a informação científica está sofrendo modificações e coloca em cena pelo menos dois problemas a serem discutidos: o primeiro deles relacionado à validade da ciência, o segundo de ruptura com o modelo de acesso baseado pautado nas formas tradicionais de agregação de capital das grandes editoras.
Palavras-chave: Comunicação científica. Covid-19. Informação e Saúde.
SCIENTIFIC COMMUNICATION IN TIME OF THE COVID-19 PANDEMIC preprints, valid information and fast science
Abstract
This study investigates changes, improvements and innovations that occurred in scientific communication in the field of health during the pandemic caused by COVID-19. The methodological procedures used consisted of an adaptation of the systematic review strategy used in the natural sciences called PICO and the data source was the Literature published in the Web of Science. The results of these studies indicate improvements and innovations that discuss the credibility of scientific information, peer review and scientific information systems, as well as their ways of sharing. It is concluded that the way in which scientific information is validated is undergoing changes and raises at least two problems to be discussed: the first is related to the validity of science, the second is a rupture with the access model based on traditional forms of capital aggregation of the major publishers.
Keywords: Scientific communication. Covid-19. Information and Health.
1 INTRODUÇÃO
A emergência de saúde pública global com a pandemia de Covid-19, a partir do início de 2020, traz consigo muitas mudanças no lugar da Ciência na sociedade contemporânea. A Covid-19 faz emergir sucessivos desafios para a Ciência, especialmente pela novidade da doença viral que não tinha nem meios de proteção específicos e nem tratamento eficaz.
Uma das características das mudanças na comunicação científica é a demanda por respostas rápidas, pois cada dia sem ferramentas científicas e tecnológicas efetivas, facilita que o vírus se dissemine, que a doença mate e que a sociedade sofra. Essas mudanças provocam a construção e a consolidação de uma Ciência Rápida (fast science).
Nesta investigação quer-se identificar estudos associados à comunicação científica desenvolvidos durante a pandemia da Covid-19 a partir da seguinte pergunta de pesquisa: Quais as grandes inovações nas estruturas de comunicação científica no campo da saúde, durante a pandemia da Covid-19?
No sentido de obter respostas usamos uma versão adaptada de um método das ciências naturais PICO, que trabalha e processa evidências científicas com foco na literatura científica desde 1950. O acrônimo PICO significa Paciente, Intervenção, Comparação e Resultado. Foi uma adaptação do acrônimo PICO para o campo das ciências sociais, OICO, onde o P é substituído por O de Objeto.
Essa revisão permitiu identificar algumas tendências e inovações no campo da comunicação científica durante o período pandêmico, especialmente a abertura e o fortalecimento de novos canais. Uma questão relevante é a generalização do uso de publicações em pré-prints em plataformas, mas deve-se observar que nem todo preprint torna-se um artigo publicado e que muitos autores assumem outro título quando da publicação do manuscrito em periódicos.
Emerge também grande preocupação com a criação de novos modos de comunicação científica, entre eles o acesso aberto e a diversificação dos canais de comunicação da Ciência. A questão é engajar cientistas de diferentes comunidades.
Outro grande desafio da comunicação científica durante a pandemia da Covid-19 é oferecer e garantir validade e veracidade da informação em saúde, especialmente aquela que está sendo disponibilizada para o público leigo.
Observou-se o fenômeno de uma grande epidemia de informações sem validação científica, e de notícias fraudulentas. Isto é particularmente relevante na informação que se dissemina livremente nas redes sociais e na Internet.
O complexo e contraditório processo de comunicação científica durante a pandemia da Covid-19 amplia também uma tendência à abertura de dados e ao seu compartilhamento, no sentido de facilitar a colaboração entre pesquisadores para desenvolver o seu trabalho em busca de respostas para enfrentar o vírus, a doença e os problemas socioeconômicos.
2 Método de Pesquisa
Os procedimentos metodologicos usados são uma adaptação de estratégia de revisão sistemática comum nas ciências naturais denominada PICO.A fonte de dados utilizada para busca e recuperação de artigos relevantes e pertinentes foi na base de dados Web of Science.
Em maio de 2022 foi feita uma busca no Portal CAPES de Periódicos, usando a seguinte estratégia para o período entre 2020 e 2022: "COVID-19" (All Fields) and "scientific communication" (All Fields) or "preprints" (All Fields) or "fast-science" (All Fields) or "information policy" (All Fields) or "quality control" (All Fields) and Articles (Document Types) and 2020 or 2021 or 2022 (Publication Years) and Information Science Library Science (Web of Science Categories) and 2022 or 2021 or 2020 (Publication Years) and Articles (Document Types) = 83 registros. A busca compreendeu o período entre 2020-2022.
A estratégia de busca proporcionou a identificação de 83 artigos, sobre os quais se aplicou os critérios de exclusão: duplicados, com ausência de resumo e impossibilidade de acesso ao texto completo. Totalizamos 30 artigos que foram submetidos a uma leitura qualitativa, incluindo os critérios de alinhamento ao objetivo da pesquisa e de foco no assunto. Ficamos com 15 artigos pertinentes ao assunto da comunicação científica no contexto da pandemia da Covid-19.
A Figura 1 descreve as etapas da pesquisa.
Figura 1 - Etapas da pesquisa
Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.
3 RESULTADOS
Os artigos sobre o assunto recuperados estão agrupados por continente. Cabe observar que a própria pandemia teve uma distribuição cronológica pelos continentes: foi evoluindo da Ásia para a Europa e a Oceania, e da Europa para a América e a África. Os autores selecionados são osque mais caracterizam melhoria ou inovação no campo da comunicação científica.
3.1 Ásia
A publicação de artigos acadêmicos requer compromisso ético, mas muitos dos meios utilizados para sua divulgação não são fiéis à ciência. Entretanto, o uso das mídias digitais é um recurso inovador, pois por seu intermédio é possível divulgar conteúdos rapidamente. Essa tecnologia, desde que utilizada com ética, facilita a transmissão de conhecimento e permite interação do meio acadêmico com a sociedade.
Percebe-se que não existem diretrizes eficazes para publicação de preprints que fortaleçam seu uso, sendo necessário o desenvolvimento de critérios rigorosos para sua utilização, conforme pode-se observar nos estudos relacionados abaixo.
Os chineses Li et al. (2021) fizeram uma análise do que a mídia publicou sobre a Covid-19 durante a pandemia. Os autores selecionaram os dados de enumeração dos primeiros artigos do tema Covid-19 publicados na mídia social, utilizando como método uma análise estatística descritiva e análise fatorial, buscando padrões e características da divulgação de trabalhos científicos nessas plataformas.
Os resultados demonstram que a mídia social não consegue distinguir a validade ou não da informação científica. Assim, esse modo de comunicação científica informal pode, provavelmente, distorcer as conclusões científicas. Os autores chineses concluíram que as mídias sociais devem verificar o conteúdo do conhecimento científico e avaliar o que compartilham e divulgam os resultados das pesquisas científicas.
Em relação a público que compartilhainformações, constatou-se que a divulgação de conteúdo sobre a Covid-19 foi principalmente de usuários da América do Norte, Europa e América do Sul, seguidos pelo Leste Asiático, Sudeste Asiático e Oceania. Esse público de usuários é, em sua maioria, figuras públicas, médicos e outros profissionais, como comunicadores de ciência e cientistas.
O processo de comunicação nas mídias sociais se divide em três formas de construção do conhecimento, interação social e comunicação acadêmica: legislação, tendência de mudança e integração de tecnologias.
Estudo realizado no Japão por Silva (2020) identifica preprints selecionados retirados/retraídos eenfatiza que a remoção intransparente de preprints do registro académico pode constituir um comportamiento possivelmente predatório ou antiético.
Esse autor visava examinar alguns casos de preprints que foram opacamente retirados/retraídos, sem motivos claros ou adequados, deixando apenas vestígios ou registros da sua passagem online.
Na literatura revisada por pares, um artigo acadêmico retratado geralmente é marcado com “Retirado” em cada página do documento, conforme recomendado por órgãos éticos, como o Comitê deÉtica na Publicação que representa milhares de periódicos e editores. Embora os grupos pró-preprint afirmem que esses documentos são parte integrante do processo de publicação e um instrumento importante, não há diretrizes éticas estritas, detalhadas ou establecidas para eles na maioria dos servidores de preprints.
A pandemia global de Covid-19 inundou a literatura acadêmica com documentos relacionados ao coronavírus, com aproximadamente um quarto de toda a literatura Covid-19 aparecendo como preprints. A indústria editorial, especialmente nas ciências biomédicas, está se voltando para uma maior integração de preprints dentro do fluxo editorial.
No entanto, a integração nem sempre implica aceitação e ainda há resistência, preocupação e hesitação por parte de um setor da comunidade acadêmica que, em última análise, acredita que as fraquezas dos preprints podem constituir um risco acadêmico. Diretrizes éticas rigorosas são urgentemente necessárias para preprints e autores de preprints, inclusive no caso de conduta imprópria. Periódicos e editores devem restabelecer os preprints que silenciosamente foram retirados, como se faz para a literatura retratada regular.
3.2 Europa
Costa-Sanchez e Lopez-Garcia (2020) contrapõem as lições aprendidas na crise de saúde pública anterior a 2020 à comunicação realizada a partir das vozes institucionais e da cobertura da imprensa durante os primeiros estágios da crise Covid -19 na Espanha. O objetivo desta análise foi compilar as lições aprendidas no passado e aproximar suas principais conclusões, em aspectos de comunicação e cobertura jornalística, da crise pelo coronavírus.
Foi realizada uma revisão da bibliografia científica sobre crise de saúde pública e comunicação para seguir as principais conclusões/recomendações extraídas de análises anteriores. A natureza da ciência deve ser cumulativa para ser construída sobre o conhecimento estabelecido, que é contrastado, questionado ou sustentado por cada novo resultado obtido.
Buscou-se por artigos sobre crise de saúde e comunicação publicados em periódicos indexados na Scopus no período 2010-2020. A crise sanitária da pandemia da Covid-19 cria uma realidade muito mais complexa e grave do que os precedentes mencionados, como o Ebola ou a Influenza A. Nesta situação atual existe uma enorme responsabilidade na comunicação com os cidadãos de todos os atores, especialmente os atores institucionais e os meios de comunicação.
Os primeiros enfrentam as questões da transparência, a coerência e o entendimento com os diferentes stake holders. Os meios de comunicação devem informar em profundidade do ponto de vista crítico, contrastando com a informação oficial, mas colaborando na difusão de mensagens, proporcionando o lado humano sem sensacionalismo ou alarmismo.
Os resultados demonstram que a gestão da comunicação e informação à sociedade deve considerar as lições aprendidas comsituações anteriores. Isso é fundamental para enfrentar a crise de saúde pública e para garantir que, em novos cenários, haja resposta preparada e baseada em conhecimentos adquiridos.
Os ingleses Price e Ozkan (2020) estudaram 651 resultados de pesquisa sobre o tema Covid-19 nas formas de pré-prints, relatórios, artigos, dados e software publicado por autores do Imperial College London, entre janeiro e setembro de 2020, com o objetivo de entender a distribuição dos produtos ao longo do tempo por tipo, revisão por pares ou não, status de acesso aberto ou não.
A pesquisa na base de dados Scopus, repositórios institucionais, Github e outros bancos de dados de produtos de pesquisa relevantes foram combinados e verificadas associações manualmente entre preprints e artigos de revistas. As conexões entre preprints e artigos publicados sugerem que alguns autores optaram por usar os dois meios de divulgação, como alguns editores também optaram pelos dois meios. Os tipos de apresentação dos resultados de pesquisa parecem estar mudando.
Os relatórios foram a primeira saída a surgir [mediana:103 dias, intervalo interquartil (IQR): 57,5-129], mas artigos de periódicos foram o tipo de saída mais comum durante todo o período (60,8%, 396/651). Trinta preprints foram identificados como ligados a um artigo de periódico (15,8%, 30/189). Foram identificadas 52 editoras, das quais 4 respondem por 59,6% das saídas (388/651). A maioria das saídas estava disponível em acesso aberto por meio de rotas ouro, híbrida ou verde (66,1%, 430/651).
O espanhol Torres-Salinas (2020) estudou a taxa de crescimento diário da produção científica sobre a Covid-19 em bancos de dados e repositórios de acesso aberto. No total, foram analisadas 9.435 publicações (69% com revisão por pares e 2.677 preprints), bem acima de Scopus (1.568) e WoS (718).
O autor espanhol tinha como objetivo discutir o que os pesquisadores poderiam fazer se publicassem involuntariamente um artigo em algum periódico predatório, incluindo medidas a serem tomadas antes da submissão, durante a revisão por pares e após a revista aceitar um manuscrito.
A partir de uma revisão bibliográfica chegaram às recomendações específicas: pré-registro, revisão por pares pré-submissão, revisão por pares aberta, revisão por pares pós-publicação, revisão por pares com recomendação e tratamento como não referenciado. Estas medidas podem contribuir para garantir a credibilidade do artigo, mesmo que seja publicado em uma revista predatória.
O artigo sugere que uma abordagem aberta e avaliação em várias camadas do conteúdo de pesquisa aumentam a credibilidade de todos os artigos de pesquisa, inclusive daqueles publicados em revistas não predatórias.
Os espanhóis Suau-Jiménez e Ivorra-Pérez (2022) analisaram 500 comentários em notícias digitais sobre a Covid-19 e constataram que a pandemia desencadeou um enorme fluxo de informações onde se observaram estratégias de despersonalização e marcadores heteroglóssicos relacionados a interpessoalidade discursiva.
Desse modo, os cidadãos desenvolveram novas práticas discursivas, com os leitores reivindicando ser participantes ativos com autoridade. Os autores sugerem um forte poder de agenciamento do cidadão, que pode tanto apoiar artigos, difundindo informações científicas, quanto desafiá-los, contribuindo, portanto, para a produção de mensagens pseudocientíficas.
Os franceses Bordignon, Ermakova e Noel (2021) investigaram os resumos de preprints produzidos com urgência em resposta à crise do Covid-19. Este trabalho considerou como um artigo potencial aquele que não passou pelo processo de revisão por pares, masestava livremente acessível ao público.
O objetivo foi investigar se a crise e a consequente competição científica e econômica alteraram o conteúdo lexical dos resumos. Eles propuseram um comparativo de resumos associados a preprints emitidos em resposta à pandemia em relação a resumos produzidos durante a pré-pandemia.
O estudo foi dividido nas seguintes etapas: coleção de dados, com a constituição de um corpus de preprints emitidos em resposta à pandemia de Covid-19 (corpus COVID19); delineamento de um corpus de preprints produzidos em 2019, período pré-pandemia mais próximo (Corpus pré-pandemia); e identificação automática de palavras positivas, negativas e hedge com CorTexT Manager (Documentação do CorTexT Manager, 2020). Os resultados do levantamento foram processados com a intenção de se obter um corpus especialmente criado para uma análise contrastiva, com o objetivo de fazer uma comparação entre resumos de preprints produzidos antes e nas fases iniciais da pandemia.
Os resumos de preprints produzidos com urgência em resposta à crise do Covid-19 estão entre incerteza e superpromoção, ilustrando o equilíbrio que os autores devem alcançar entre promover seus resultados e pedir cautela. Os resultados sugeriram que a crise do Covid-19 influenciou a escrita acadêmica à medida que se observaram mudanças nas estratégias lexicais dos autores. Mostraram o aumento (em média e em porcentagem) de adjetivos positivos (especialmente efetivos) e a ligeira diminuição de adjetivos negativos.
Os franceses Cabanac, Oikonomidi e Boutron (2021) estudaram a importância da vinculação de preprints a publicações, uma vez que esta fornece aos leitores a versão mais recente de um trabalho certificado. No entanto, os principais servidores de preprints não conseguem identificar todos os links preprints-publicação existentes. O conjunto de referência para este estudo incluiu 740 preprints, dos quais 343 apareceram como publicações relacionadas à Covid-19.
O objetivo foi lançar e testar o software, como material suplementar, para promover sua integração nos fluxos de trabalho dos servidores de preprints e aprimorar uma busca diária de preprints-publicação que é útil para todos os leitores, incluindo revisores sistemáticos. Primeiramente, consideraram os links estabelecidos pelo medRxiv e reuniram conhecimento sobre os recursos de maior sucesso para combinar publicações com preprints. O Laboratório Cold Spring Harbor, operando tanto o bioRxiv quanto o medRxiv para coletar os pares preprint-publicação, filtrando esses registros no campo publicado, encontrou 741 preprints com uma publicação vinculada.
Em seguida, recuperaram metadados de preprints e de publicação consultando a API Crossref7 com os DOIs listados anteriormente. Os pesquisadores usaram um algoritmo aproveitando a fonte pública e gratuita do Crossref de metadados bibliográficos para vasculhar a literatura em busca de links preprints-publicação. Enquanto os servidores de preprints identificaram 39,7% dos links de preprints-publicação, o vinculador desse estudo identificou 90,9% dos links esperados sem nenhuma pista retirada dos servidores de preprints. A precisão do linker proposto foi de 91,5% neste conjunto de referência, com 90,9% de sensibilidade e 91,9% de especificidade. O que representa um aumento de 16,26% na precisão em comparação com os servidores de preprints.
Os autores húngaros Strcic et al. (2022) verificaram 897 artigos pré-publicados, para analisarem o conteúdo das declarações de disponibilidade de dados (DAS) e o compartilhamento real de dados brutos em artigos pré-publicados sobre Covid-19. Observaram quais artigos não incluíam a DAS, que indicam os dados disponíveis mediante solicitação, ou que seus manuscritos relataram que os dados brutos estão disponíveis no manuscrito, mas os dados brutos não foram encontrados.
Os dados brutos coletados neste estudo foram publicados no Open Science Framework. Os dados analisados estavam disponíveis no GitHub ou em outro local da Web claramente especificado, mediante solicitação, no manuscrito ou em seus arquivos suplementares.
Os autores opinam que os servidores de preprints devem exigir que os autores forneçam declarações de compartilhamento de dados, que serão incluídas tanto no site quanto no manuscrito. Havia 699 (78%) artigos com campo data e código presentes no site de um servidor de preprints. Em 234 (26%) pré-impressões, a declaração de compartilhamento de dados e código foi relatada no manuscrito.
Entre os 283 preprints que relataram dados acessíveis, em 133 (47%) foram encontrados dados e códigos brutos, ou seja, 15% de todos os artigos de preprints analisados. Eles ainda analisaram artigos de preprints sobre Covid-19 publicados no medRxiv e bioRxiv de 1º de janeiro de 2020 a 30 de março de 2020, totalizando 897 artigos pré-publicados.
Kodvanj et al. (2022), também da Hungria, avaliaram a probabilidadede publicação deaartigosrelacionados ou não ao Covid-19 revisadospor pares e quanto ao tempo de submissãoaté a aceitação. O objetivo do estudo foi avaliar seos preprints, tendências depreprints, discussão pública dos preprints, a relação entre o tópico de publicação relacionado ou não ao Covid-19 e problemas de qualidade que estão relacionados foram favorecidos para publicação. A análise foi baseada em dados Altmetric e Disqus. O Retraction Watch Database e o Pubmed foram usados para explorar a retração de artigos e pré-publicados Covid-19 e não Covid-19.
Com o ajuste para o servidor de preprints e o número de versões depositadas, as pré-impressões relacionadas ao Covid-19 tiveram maior probabilidade de serem publicadas dentro de 120 dias desde o depósito da primeira versão (OR=1,96, IC 95%: 1,80–2,14), tambémcomo durante todo o período observado (OR=1,39, IC95%: 1,31–1,48). A discussão pública de preprints foi modesta e os artigos Covid-19 foram super-representados no conjunto de artigos retirados em 2020.
Os dados sugeriram uma preferência pela publicação de preprints relacionados ao Covid-19 durante o período observado. O presente estudo foi motivado, principalmente, por observações anteriores de menor tempo de submissão para aceitação de manuscritos publicados relacionados ao Covid-19 versus não relacionados, um fenômeno sugestivo de preferência por manuscritos relacionados ao Covid-19 para publicar em periódico revisado por pares durante a pandemia.
Os preprints podem ser uma “ferramenta” valiosa para pesquisar a própria ciência. O preprint oferece a oportunidade de estudar o que acontece “por trás das cortinas” do processo de submissão de periódicos, ou seja, oferece a oportunidade de estudar a própria revisão por pares.
Os preprints relacionados ao Covid-19 foram mais discutidos publicamente e favorecidos para publicação em periódicos revisados por pares, normalmente com um processo de revisão por pares mais curto, o que pode ter possíveis repercussões na qualidade dos artigos publicados em periódicos.
Castellucci e Barillari (2020) realizaram um estudo em Roma para informar e explicar os motivos pelos quais o acesso aberto é importante para ciência e divulgação científica. Eles pretendiam com esse estudo reunir e explicar os motivos pelos quais o acesso aberto não é simplesmente uma escolha política e econômica. O acesso aberto é um modo para proteger os frágeis limites da pesquisa científica, e a pandemia da Covid-19 evidenciou o 'peso' do atual sistema de circulação da informação científica.
As autoras descreveram como Peter Suber, um dos pioneiros do movimento de acesso aberto (OA), enfatiza há anos a existência de pelo menos 15 razões pelas quais o atual sistema de divulgação de pesquisas de revisão por pares é profundamente disfuncional para pesquisadores e suas instituições, mesmo que altamente lucrativo para grandes editoras.
O artigo descreve iniciativas importantes trazidas com o objetivo de compartilhar recursos de acesso aberto, para apoiar a divulgação de pesquisas. Além disso, o artigo revelou um caso real: o medRxiv, o primeiro repositório biomédico baseado em preprints, lançado em 2019 e agora na linha de frente para procedimentos eficazes.
3.3 América
No continente americano estudos realizados por brasileiros foram publicados, como o de Silva e Andreae (2020). Analisando temáticas relacionadas à Covid-19 em podcasts e webinars no campo da Ciência da Informação, concentrando-se em seus propósitos e características, os autores tomaram por objetivo disseminar informação científica que proporcionasse uma base por meio da qual fosse possível desenvolver divulgação e transferência de conhecimentos dedicados à pesquisa científica, à prática do ensino acadêmico e aos pesquisadores que atuam no mercado de trabalho.
Os resultados mostram que foram identificados 390 eventos únicos relacionados à Ciência da Informação (CI) durante a pandemia e que 70 episódios tratavam especificamente da Covid-19. A análise revelou que os podcasts com temáticas relacionadas à Covid-19 apresentaram características em comum, as quais deram ênfase aos fluxos informacionais e ao tratamento documental da comunicação científica.
O brasileiro Cunha (2020) analisou os impactos da pandemia na Ciência da Informação, especialmente em bibliotecas, arquivos, museus e estruturas de comunicação científica. O estudo tinha por objetivo investigar os impactos econômicos e a vulnerabilidade social causadas pela pandemia de Covid-19 por causa do fechamento das instituições educacionais e culturais. Observou-se que houve esforços para garantir que os usuários das bibliotecas tivessem acesso a recursos gratuitos, e vários editores decidiram dar acesso gratuito a algumas de suas coleções que só eram acessadas por assinaturas.
O autor destaca que a comunicação científica passou por reformas, salientando o valor da ciência aberta (maior transparência, dados abertos e acesso aberto aos resultados da pesquisa). Ele afirma que tanto os aspectos positivos (relato rápido e compartilhamento de informações) quanto os negativos (o excesso de má ciência sendo publicado como pré-print reproduzido pela grande mídia sem curadoria de pares adequada) são agora evidentes, com os bons superando os ruins.
No Brasil Miranda e Mazeto (2021) pesquisaram sobre os desafios da comunicação pública e científica na promoção da saúde, usando notícias veiculadas pelo portal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) durante a pandemia da Covid-19.
Utilizaram como método a análise de cobertura jornalística, considerando que este protocolo "[…] comporta o estudo de processos produtivos do passado bem como de transformações na cobertura ao longo do tempo, sobretudo quando o corpus envolve um recorte temporal extenso." (SILVA; MAIA, 2011[4] apud MIRANDA; MAZETO, 2021). As autoras destacam a importância dasinstituições pública brasileiras têm em assumir um alinhamento das publicações diante de uma crise na saúde, contribuindo com informação de qualidade que potencializem o bem-estar dos cidadãos.
As notícias mais acessadas tinham conteúdos relacionados a dados estatísticos sobre a pandemia da Covid-19 e ao acesso a artigos científicos. Concluiu-se neste estudo que investir em conteúdos com fundamentação e evidências científicas é das principais tarefas das universidades. Isso é desafiador quando se pensa na precarização cada vez mais evidente do funcionalismo público e das carreiras associadas à comunicação.
Cholan et al. (2022) fizeram análises nos estudos realizados em laboratórios de centros médicos que utilizam descobertas para informar sobre uso de evidências do mundo real em decisões regulatórias. O objetivo dessa pesquisa foi avaliar a eficácia do fornecimento de Nomes e Códigos de Identificadores de Observação Lógica (LOINCVR) para a especificação de codificação de Diagnóstico In Vitro (LIVD), exigida pelo Departamento de Saúde e Humanos dos Estados Unidos para serviços para relatórios de SARS-CoV-2.
Foram comparadas lacunas e semelhanças entre os códigos LOINCVR recomendados pelos fabricantes de testes diagnósticos e os códigos LOINCVR usados em laboratórios de centros médicos para os mesmos testes.
Os cinco centros médicos e os três fabricantes de testes variam na forma como organizam, categorizam e armazenam informações do catálogo LIS. Essa variação afeta a qualidade e a interoperabilidade dos dados. Cinco centros médicos e três fabricantes de testes extraíram dados de sistemas de informação de laboratório (LIS) para testes priorizados de interesse.
O envio de dados variou de 74 a 532 códigos LOINCVR por site. Três fabricantes de teste enviaram 15 catálogos LIDV, representando 26 dispositivos distintos, 6.956 testes e 686 LOINCVR códigos. Identificaram incompatibilidades na forma como os centros médicos usam o LOINCVR para codificar exames laboratoriais em comparação com os fabricantes de teste que codificam os mesmos testes de laboratório. Dos 331 exames disponíveis nos arquivos do LIVD, 136 (41%) foram representados por um código LOINCVR incompatível com os centros médicos.
Os resultados do estudo indicam que o fornecimento dos mapeamentos de LVD não foram suficientes para dar suporte à interoperabilidade dos dados laboratoriais. A implementação nacional do LVD e os esforços adicionais para promover a interoperabilidade laboratorial exigirão uma ação mais abrangente e avaliação contínua e controle de qualidade.
4 Discussão
Neste artigo investiga-se os processos e dinâmicas informacionais, particularmente as inovações na comunicação científica, em torno da emergência global de saúde pública pela pandemia de Covid-19. A partir disso, quer-se também discutir conceitos como desordem informacional, desinformação, assimetria de informações e validação discursiva.
Wardle e Derakhshan (2017, p. 11) colocam no relatório Information Disorder: toward an interdisciplinary framework for research and policymaking, que, a partir do uso cada vez maior das tecnologias da informação em todos os aspectos da vida social, sobretudo das mídias sociais, enormes e complexas mudanças têm ocorrido na forma em que se produz, comunica e distribui a informação.
As mídias sociais potencializam a transformação do modelo de comunicação de um a muitos (onde esse um era usualmente uma “autoridade”, por exemplo, uma instituição de saúde ou um jornal) a um modelo de comunicação de muitos com muitos. Nessa forma de comunicação, a “autoridade” se dilui, pois qualquer um com acesso a essas plataformas pode ser criador e disseminador de conteúdo.
Wardle e Derakhshan (2017) apontam que a semelhança aparente entre sites de publicações com reconhecido prestígio e sites com menos rigor na curadoria da informação, inclusive produtores deliberados de notícias fraudulentas, unido a avalanche de informação, faz também que as pessoas tornem-se cada vez mais dependentes de familiares e amigos para se guiar nesse ecossistema. Muitas vezes, essas pessoas não possuem competências, hábitos nem condições tecnológicas (por exemplo, acesso pleno à Internet fora de aplicativos como Whatsapp) para checar a informação e suas fontes.
As pessoas recebem as mensagens e sem se preocupar na checagem de sua veracidade, propagam a informação da mensagem para outras pessoas. Pode-se considerar que um desinformado é então levado, muitas vezes, a tornar‐se um desinformador, mesmo que involuntariamente, mas movido pela propagação da informação de uma forma irracional (VOLKOFF, 2004).
Wardle e Derakhshan (2017, p. 4) observam que estamos vivendo uma poluição informacional em escala global, uma desordem informacional, onde existe:
[…] uma complexa teia de aranha de motivações para criar, disseminar e consumir mensagens ‘poluídas’, miríade de tipos de conteúdo e técnicas para amplificar esses conteúdos, inumeráveis plataformas hospedando e reproduzindo esse conteúdo e velocidades vertiginosas de comunicação entre pares em relações de confiança.
Os autores evitam utilizar o termo “fake news” para se referir a essas mensagens poluídas e fraudulentas. Embora o termo seja antigo, ele começou a ganhar visibilidade a partir do escândalo da Cambridge Analytica e seus vínculos com eleições em Nigéria (2015), Estados Unidos (2016), Brasil (2018), e o Brexit em Reino Unido (2016). Nos últimos 15 anos, o termo tem sido usado para representar diferentes fenômenos que incluem notícias satíricas e paródias, notícias fabricadas, manipulação e propaganda. O termo também tem sido apropriado por grupos políticos para desacreditar informação e argumentos produzidos por opositores ou pela imprensa, portanto, sendo mecanismo de poder para desqualificar mensagens críticas.
Wardle e Derakhshan (2017) propõem um marco conceitual sobre essa desordem informacional que classifica os tipos de desordem em três: mis-information, des-information e mal-information. Os termos mis-information e des-information, em português são englobados pela palavra desinformação. Contudo, eles apontam a dinâmicas diferentes. Mis-information é compartilhar informação falsa ou incorreta por equívoco, sem o intuito de causar dano; opostamente, des-information é o compartilhamento deliberado de informações falsas com o propósito de enganar e causar danos. Há uma distinção na intencionalidade. Mal-information, sem equivalente em português, são informações genuínas, originalmente criadas para permanecer privadas, compartilhadas na esfera pública para causar danos. Aqui se engloba vazamentos, discursos de ódio e assédios.
Contribuem de alguma forma para a desordem informacional as controvérsias científicas. As controvérsias são definidas como “[…] polêmicas entre peritos, que requerem saber especializado; que tem como objeto, pelo menos em parte, conhecimentos científicos ou técnicos incertos, cujos resultados envolvem disputas de interesse nem sempre muito visíveis.” (MONTEIRO, 2009, p. 33). Elas são inerentes ao pluralismo democrático e, na esfera pública, muitas vezes colocam em confronto os campos científicos e jornalístico. Hodiernamente, nas controvérsias científicas cada vez participam mais agentes fora do campo científico, mas com poder político ou simbólico para intervir, muitas vezes acentuando a desordem informacional.
A pandemia de Covid-19 foi o palco de desordem informacional, com uma mistura indistinguível de informações não verificadas, informações úteis e desinformação, deliberada ou não. Agravam esta situação numerosas controvérsias relacionadas com a origem do vírus, os possíveis tratamentos e medidas de prevenção e contenção de contágios, reproduzidas e amplificadas pelas mídias.
A qualidade da informação em saúde tem estado em xeque desde a proliferação das redes e sites online, o que tem consequências importantes para a veracidade e confiabilidade da informação.
Uma revisão sistemática recente conduzida por Daraz et al. (2019), que abrangeu 153 estudos seccionais que avaliaram 11.785 sítios web com informação de saúde orientada a pacientes e públicos geral, concluiu que a informação em saúde online tem uma qualidade subótima, com variações segundo fonte (maior qualidade os sites governamentais) e especialidade (maior qualidade informação sobre medicina interna e anestesiologia). Só os 18% destes estavam certificados por HONcode, que atesta a aderência do site a princípios básicos de ética da publicação de informação em saúde online.
O conceito de assimetria de informações vem da economia. Essas assimetrias foram inicialmente analisadas por Akerlof (1970), ilustrando esse fenômeno através do mercado de carros usados, num estudo sobre lemon markets. A ideia de que os agentes econômicos têm níveis de informações distintos e que a capacidade de obter informações em função dos seus custos também é distinta, está no centro da teoria macroeconômica, como uma das razões das imperfeições do mercado.
Esse conceito tem sido apropriado pelos estudos da informação para se referir a situações e contextos em que os atores sociais têm distintas ações de informação e distintas condições e possibilidades de agir comunicativamente. Essas distinções referem-se às ações de uso e de circulação da informação, mais especialmente às ações de produção da informação.
A assimetria de informações supõe que os atores sociais não podem superar a distinção entre eles no quadro do mercado, em função dos custos para todos obterem informações equivalentes. Assim, desenha-se um quadro polifônico nas sociedades desiguais. As múltiplas falas expressam perspectivas distintas, mas também desigualdade. Contudo, pode-se sempre encontrar alguma racionalidade nelas (LIMA, 2006).
Nos dias atuais, o mundo digital enalteceu a “informação espetacularizada”, onde os discursos são construídos e reproduzidos sem o compromisso com a veracidade daquilo que é informado. Com isso, os discursos escondem intenções pragmáticas de domínio, poder, indução, manipulação, entre tantas outras formas de retórica.
Habermas (2010) em seu ensaio Teorias da verdade, diante de algumas teorias da verdade, esboça sua “teoria discursiva da verdade”. Gonçalves e Lima (2014, p. 913-914) observam que “[…] o núcleo da teoria do agir comunicativo de Habermas e da correspondente teoria da verdade pode ser resumido da seguinte forma: usar a linguagem significa, essencialmente, avançar pretensões de validade que devem poder ser justificadas discursivamente.”
Habermas na Teoria discursiva da verdade elabora uma pragmática universal que objetiva expor e analisar as condições de possibilidade de comunicação, de seus pressupostos e de suas implicações, inclusive no campo da ética e da política. A pragmática pressupõe uma concepção segundo a qual o significado é relativo a contextos determinados e deve ser considerado a partir do uso dos termos e expressões linguísticos utilizados nesses contextos. O significado não é visto como arbitrário, mas como dependente do contexto. E nesse campo, a assimetria informacional interfere diretamente na pretensão de validade do discurso.
Pinzani (2009, p. 88) considera que para Habermas “[…] a verdade é uma pretensão de validade que ligamos a proposições ao afirmá-las.” Destacando que as afirmações pertencem aos atos de fala constativos, “[…] elas são a forma tomada por uma proposição e não podem ser nem verdadeiras nem falsas, mas sim legítimas ou ilegítimas.” (PINZANI, 2009, p.88). Verdadeira ou falsa é a proposição que se afirma, isto é, o conteúdo da afirmação. Essencialmente, o discurso é uma forma de comunicação caracterizada pela argumentação. Pretensões de validade que se tornaram problemáticas são discutidas para investigar sua legitimidade, para isso, trocam-se argumentos e não informações.
É esse poder de ações sobre as ações, mediadas pela linguagem, que se impõe entre as pessoas estabelecendo um processo discursivo de entendimento que visa a um consenso apoiado em razões ou argumentos. Sendo assim, a ação comunicativa se funda em um “[…] ato hermenêutico de compreensão que pode sempre levar a um questionamento das suas pretensões de validade e, eventualmente, a um discurso no qual tais pretensões devem ser fundamentadas.” (PINZANI, 2009, p. 81).
A força do melhor argumento não é de natureza lógica, nem empírica, mas motivacional: “[…] um argumento é a fundamentação que deve motivar-nos a reconhecer o valor da validade de uma afirmação, ou de uma ordem, ou de uma avaliação.” (PINZANI, 2009, p. 88).
A ampliação dos modos de comunicação de muitos para muitos, como na Internet, atualiza e amplia as questões de validação da informação. Não basta a interação discursiva sobre fatos e coisas, é necessário haver a correspondência entre a representação e os acontecimentos.
As questões de objetividade das falas na esfera pública são ampliadas no neste modo de comunicação de muitos para muitos. Entre as causas estão a expansão das fontes de informação, e as controvérsias sobre sua autoridade, sinceridade e honestidade.
A base do entendimento mútuo eficaz para a coordenação de ação é a aceitação da pretensão de veracidade levantada para declaração de intenção ou solicitação, pretensão autenticada pela racionalidade reconhecível de uma decisão (HABERMAS, 2004, p. 119). No agir orientado para o entendimento são especificadas as condições para um acordo a ser alcançado na comunicação.
Habermas (2003, p. 164) observa que a ideia fundamental do agir orientado para o entendimento mútuo é a motivação racional de um pelo outro para uma ação de adesão. Isso acontece em virtude do efeito ilocucionário de comprometimento que a oferta de um ato de fala suscita, enquanto que no agir estratégico um atua sobre o outro para ensejar a continuação desejada de uma interação.
A validação parte do entendimento entre sujeitos sobre algo no mundo objetivo. O entendimento intersubjetivo requer deles a expressão dos pontos de vista, com pretensão de sinceridade. As controvérsias demandam esforço de argumentação e aceitação tácita do melhor argumento. As condições desta comunicação ideal entre sujeitos são contrafactuais, mas funcionam como modo de avaliar as condições reais.
Outro ponto que deve ser destacado é que a dinâmica de expressão dos pontos de vista e de argumentação pode e deve ser feita em linguagem natural e simples. Isto é particularmente relevante quando se trata de legitimação de afirmações de cientistas na esfera pública. A questão não é apenas de tradução, mas de sinceridade e de honestidade em relação às normas sociais de dignidade e bem-estar.
5 Considerações finais
A pandemia global da Covid-19 a partir do início de 2020 trouxe consigo desafios e oportunidades. O primeiro deles foi entender a própria doença virtual com grande capacidade de contágio e letalidade. A seguir iniciam-se controvérsias sobre como enfrentar a doença pandêmica, das medidas de prevenção e modos de tratamento.
A ciência é chamada a dar respostas à Covid-19. Uma das características deste chamado é a sua urgência e a gigantesca expectativa sobre elas. Numa sociedade global de comunicação instantânea não existe vazio. Se a ciência não tem resposta ou ela não é clara, a sociedade especula e criam-se controvérsias entre as falas dos cientistas, por um lado, e as falas de influenciadores digitais, por outro.
Assim, a ciência é pressionada para dar respostas rápidas aos problemas sanitários e sociais. Esta pressão incide diretamente sobre a pesquisa médica, tanto no que se refere à busca de referências sobre o que pode ser usado, quanto da divulgação dos bons resultados, passando pela própria interação entre cientistas em nível global.
Esta dinâmica resulta em importantes inovações na comunicação científica em geral. A principal delas é na própria interação pela linguagem entre pesquisadores. A gravidade da situação impõe intensa colaboração, que passa por cima das fronteiras nacionais e aproxima pessoas fisicamente distantes, assim como quebra as barreiras de interesses privados de grandes corporações.
Uma das características desta intensa comunicação entre cientistas é a intensificação inovadora do uso de publicação de versões em progresso das pesquisas, particularmente a publicação de preprints. Essas publicações conhecem níveis inéditos, em função da necessidade de acelerar o compartilhamento de dados e de informações sobre pesquisas. Uma das consequências é a eliminação temporária da avaliação por pares como requisito para apresentação pública de resultados.
Outra face extremamente importante destas mudanças é a busca avassaladora pela sociedade em geral por resultados de pesquisas científicas, transbordando em muito a comunidade de cientistas. Ansiedades e medos mobilizam milhões de pessoas em busca do conforto (e da proteção) que o conhecimento pode proporcionar.
No cenário de uma pandemia de informações que acompanha a pandemia da Covid-19 uma outra questão emerge: a validade e a validação das informações que entram na esfera pública, particularmente aquelas que podem interferir na formulação e na avaliação de políticas públicas. A sociedade reconhece a autoridade do melhor argumento porque admite cooperação e discussão.
O Discurso, no sentido que Habermas (2003) lhe atribui, amplia as perspectivas de representação de interesses, politizando suas decisões e possibilitando a racionalização mediadora discursiva. O Discurso vem ao encontro de uma concepção construtivista da aprendizagem na medida em que compreende a formação discursiva da vontade e a argumentação em geral como formas de reflexão do agir comunicativo e na medida em que exige, para a passagem do agir para o Discurso, uma mudança de atitude.
Habermas (2003) observa que, a partir de aspectos processuais, o discurso argumentativo se apresenta como um processo comunicacional que, em relação com o objetivo de acordo racionalmente motivado, tem que satisfazer condições inverossímeis. No discurso argumentativo, mostram-se estruturas de situação de fala que estão imunizadas contra repressão e desigualdade: elas se apresentam como uma forma de comunicação suficientemente aproximada de condições ideais.
REFERÊNCIAS
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