COMUNICAR É PRECISO

Uma cartografia das experiências, expectativas e resultados das iniciativas de telessaúde identificadas durante a pandemia de covid-19 no sistema municipal de saúde de Palhoça – SC

 

                                                                                                          RaphaellaTambosettiDias[1]

Universidade do Sul de Santa Catarina

diasrapha@outlook.com

                                                                                          Flavio Ricardo LiberaliMagajewski[2]

Universidade do Sul de Santa Catarina

magajewski@hotmail.com

                                                                                                                                                      

                                                                                                                      SissianeMargreiter[3]

Secretaria Municipal de Saúde de Palhoça/SC

margreitersissi@gmail.com

______________________________

Resumo

Dispositivos e soluções em telessaúde e telemedicina apresentam papel fundamental nas estratégias de assistência à saúde alinhadas à redução da transmissão viral no contexto da pandemia de COVID-19. Identificar, caracterizar e analisar as iniciativas de telessaúde criadas e utilizadas pelo Sistema Municipal de Saúde do município de Palhoça – SC no período da pandemia pelo SARS-CoV-2. Trata-se de uma pesquisa qualiquantitativa que utiliza a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE; TEIXEIRA, 2000) na análise às respostas das perguntas abertas de natureza qualitativa. Em 93,3% das respostas, os entrevistados concordam que os Teleatendimentos foram imprescindíveis no contexto da pandemia. Teleatendimento nas áreas de fonoaudiologia, fisioterapia, odontologia, medicina, nutrição, psicologia e a Teleorientação são algumas das principais iniciativas reconhecidas. A ampliação e organização dos Telesserviços são possíveis e dependem de melhorias em infraestrutura e capacitação.

 

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Comunicação em Saúde. Telemedicina. COVID-19.

COMMUNICATING IS NECESSARY

a cartographyoftheexperiences, expectations and resultsofthetelehealthinitiativesduringthe covid-19 pandemic in thecivichealthsystemofPalhoça – SC

Abstract

Devices and solutions in telehealth and telemedicineplay a fundamental role in health care strategiesalignedwiththereductionof viral transmission in thecontextofthe COVID-19 pandemic. Toidentify, characterize and analyzethetelehealthinitiativescreated and usedbythe Municipal HealthSystemofPalhoça – SC duringthe SARS-CoV-2 pandemicperiod. Thisisqualitative-quantitativeresearchthat uses theCollectiveSubjectDiscoursetechnique (LEFÈVRE; LEFÈVRE; TEIXEIRA, 2000) in theanalysisoftheanswersto open questionsof a qualitativenature. In 93.3% oftheanswers, theinterviweesagreethatTeleserviceswereessential in thecontextofpandemic. Teleservice in theareasofspeechterapy, physiotherapy, dentistry, medicine, nutrition, psychology and Teleorientation are someofthemainrecognizedinitiatives. Theexpansion and organizationofTeleservices are possible and dependsonimprovements in infrastructure and training.

Keywords:Unified Health System. Health Communication. Telemedicine. COVID-19.

1  INTRODUÇÃO

A declaração de emergência mundial, feita em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em decorrência da pandemia causada pelo novoCoronavírus (SARS-CoV-2), exigiumovimentos rápidos e de grande envergadura dos sistemas de saúde de todos os países do mundo, seja pelo crescimento exponencial da demanda por serviços diagnósticos e de cuidados críticos, seja pela desorganização das equipes, contaminadas pela COVID-19. O enfrentamento do aumento exponencial da curva de infecçãocomações de higiene e de distanciamento social acarretaram inúmeros impactos no âmbitoeconômico e social, e aindaseguempromovendoadaptações no cotidiano das pessoas em todo o mundo (SACHETT, 2020).

Os impactos na área da saúdeestãodiretamente relacionados aofechamento dos ambulatórios, aocancelamento dos procedimentoseletivos e ao número insuficiente de funcionários para prestar serviços. A escassez de profissionais de saúde, consequência do aumento da demanda, da redução das equipes desfalcadas pelosprofissionais infectados e pelo deslocamento preventivo dos trabalhadores de grupos de risco para o trabalho remoto ou transferidos para áreas administrativas, forçou gestores e profissionais de saúdeàincorporação de novas tecnologiascomo objetivo de apoiar o combate à pandemia. Alémdisso, a descontinuidade da oferta, a centralização de algunsserviços e o deslocamento da atenção dos gestores para um único problema de saúde, associados à menor oferta de transporte público e até mesmo à falta de medicamentos essenciais, caracterizouumasituação de desassistênciaainda difícil de mensurar em seus impactos para a saúdecoletiva (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020b).

Nesse contexto, dispositivos e soluções no âmbito da telessaúde e telemedicina passaram a ter papel fundamental nasestratégias de assistênciaalinhadascom o propósito da redução da transmissão viral. A telessaúde é compreendida como um conjunto de iniciativas de prestação de serviços de saúde à distância, intermediado por Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) (MACIEL et al., 2020). Suasaplicações se caracterizam por diversas formas de teleconsultoria (entre trabalhadores, profissionais e gestores da área da saúde), telediagnóstico, telemonitoramento, telerregulação, teleducação, segunda opinião formativa (resposta sistematizada, com base em revisão bibliográfica das melhoresevidências científicas, a perguntas originadas das teleconsultorias) e teleconsulta, propriamente dita. O termo telemedicina se refereespecificamente a soluções tecnológicas que apoiamserviços clínicos remotos (PESSALACIA, 2020). O seuconceitoclássico esclarece que elacompreendetodas assoluções mediadas pela tecnologia (TICs) sempre que a distânciasejaum fator crítico para a efetivação do cuidado (MALDONADO; MARQUES; CRUZ, 2016).

Além do impacto sobre a transmissão viral, por se desenvolver respeitando os protocolos de distanciamento social, a telessaúde está relacionada à redução de tempo de atendimento, dos custos e do tempo de deslocamento de pacientes e profissionais de saúde, e suautilizaçãopromove a melhoria da qualidade da assistência, permitindo o acesso a especialistas em áreas remotas (CAETANO et al., 2020). A nota técnica n° 3/2021-CGSB/DESF/SAPS/MS, de 23 de março de 2021, a respeito da COVID-19 e atendimento odontológico no Sistema único de Saúde (SUS), recomenda e reforça o uso de tecnologias para atendimentopré-clínico, contribuindo para evitar prejuízosdecorrentesdo adiamento prolongado de atendimentos (BRASIL, 2021). Ratificando a recomendação do SUS, estudo publicado no Journalof Dental Research(FERNÁNDEZ et al., 2021) que avaliou o uso de mensagens de texto para teleatendimento, evidenciou a diminuição do risco de doenças odontológicas e tambémcaracterizou a teleodontologia como importante instrumento clínico para promoção e prevenção da saúde oral.

No Brasil, uma das estratégias do Ministério da Saúde, em articulaçãocom o Conselho Nacional de SecretáriosEstaduais (CONASS) e Municipais de Saúde (CONASEMS) foi a implantação do TeleSUS, ecossistema de tecnologia de informação que envolve mecanismos automatizados e uma central de atendimento à distância, criado para rastrear, diagnosticar, tratar e monitorar pacientes portadores de Síndrome Gripal e COVID-19. O atendimento por telefone, chatbot, app no celular ouWhatsApp, permite inclusive teleconsultascom médicos e enfermeiros, fornecendo diagnóstico, prescrição e atestados. Nos primeirosvintedias de funcionamento, o TeleSUSatendeumais de 10 milhões de pessoas (HARZHEIM et al., 2020).

Apesar da telessaúde estar maisfortemente relacionada ao contexto da pandemia a partir da publicação de legislação de carátertemporário (Portaria MS/GM n° 467, de 20 de março de 2020), elavemsendodesenvolvida pelo Ministério da Saúde desde 2006, quandofoi criada a Comissão Permanente de Telessaúde e o Comitê Executivo de Telessaúde. Em 2007, foram criados o Programa Nacional de Telessaúde Brasil Redes, e o Projeto Nacional de Telessaúde, o qual posteriormente foisubstituído, por meio da Portarian° 2.546, em 2011, pelo Telessaúde Brasil Redes (MACIEL et al., 2020), expandindo-se para diversos estados do país. O modelo de telessaúdeadotado no Brasil baseia-se naconexão das universidades com a AtençãoPrimária à Saúde (APS) (PESSALACIA, 2020).

Com os resultados promissores do uso da telessaúde, potencializados pelas necessidades de reestruturação das redes de atenção no contexto da pandemia, as práticas em saúdetendem a se adaptar cada vez mais para um modelo de assistência híbrida, com momentos reais e virtuais, integrando um aspecto de “novo normal” (SACHETT, 2020).Frente a essecenário, o esforçoacadêmico orientado para a identificação das iniciativas desenvolvidas pela gestão e pelos profissionais de saúde no âmbito da telessaúde em sistemas municipais de saúde, e em decorrência da pandemia da COVID-19, ao procurar esclarecer as características, os propósitos e o uso dos recursos disponíveis no municípioneste contexto, é relevante e pode contribuir para a seleção de propostas potencialmente úteis para suaampliação e institucionalização pela rede de saúde. Em síntese, os achados de pesquisa nãoserãoúteis apenas no contexto de pandemia, mas especialmente pela perspectiva de expansão e continuidade das experiências exitosas desenvolvidas no período.

Pelo exposto, o estudopropostobuscou avaliar o recorte da realidade definido pelo tema priorizado a partir da percepção dos sujeitos que protagonizaram as experiências de telessaúde criadas e desenvolvidas no período estudado, e dos sujeitos que se utilizaramdessesserviçosnaposição de usuários dos serviços de saúdeoferecidos no decorrer da pandemia. A pergunta que orientou a organizaçãodesta pesquisa foi: quaissão as características, limitações e potencialidades dos processos de telessaúde criados e utilizados pelo sistema municipal de saúde do município de Palhoça – SC, no período da pandemia pelo SARS-CoV-2?

 

2 OBJETIVOS E MÉTODOS

 

2.1 OBJETIVO GERAL

 

Identificar, caracterizar e analisar as iniciativas de telessaúde criadas e utilizadas pelo Sistema Municipal de Saúde do município de Palhoça – SC no período da pandemia pelo SARS-CoV-2.

 

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 

Identificar os serviços/dispositivos no âmbito da telessaúde implantados e utilizados pela gestão e/ou pelos profissionais de saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Palhoça no período da pandemia;

Caracterizar as iniciativas de telessaúde em relação à suaabrangência, cobertura e resultados obtidos, no que dizrespeitoaos impactos da implantação sobre a reordenação do cuidado em saúde e naorganização e gestão dos processos de trabalho durante a pandemia;

Esclarecer detalhes da estrutura de telessaúde implantada no município, a partir de relatos dos profissionais e gestores da SMS de Palhoça;

Avaliar as limitações e potencialidades associadasaoprocesso de implantação das iniciativas de telessaúdena SMS de Palhoça;

Avaliar a percepção dos profissionais e gestores da SMS de Palhoça sobre a viabilidade de umserviçomais amplo e integrado de teleatendimentos e teleassistência, considerando suaexperiência e contatocom os pacientes.

 

2.3 MÉTODOS

 

            Estudo observacional, transversal, comabordagemquali-quantitativa. A população de estudofoiconstituída por trêsrepresentações: (1) dirigente da SMS; (2) a gestãointermediária da rede de saúde; (3) os profissionais de saúdecomatuaçãona rede de saúde. Essasamostrasforamselecionadas por conveniência, e incluíram no primeiro grupo representante da gestão; no segundo grupo os servidores ocupantes das funções de coordenação de distrito, coordenação do Serviço de Vigilância Epidemiológica, coordenação do Serviço de Odontologia e os responsáveis pelos serviços de regulação médica e odontológica do município. O terceiro grupo foi composto por profissionais médicos e dentistas de Equipes de Saúde da Família (ESF), e outrosprofissionais de saúde (fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista, educador físico e fonoaudiólogo) comatuação nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). No conjunto, a população de estudoconsiderou os depoimentos e respostas de quinzesujeitos de pesquisa.

Os informantes chaves foram entrevistados de forma remota, com uso de questionárioseletrônicos específicos organizados segundo os agregados jáapresentados: staff dirigente, gestores intermediários e profissionais de saúde. Os informantes receberam lista de transmissãoatravés do aplicativo de WhatsAppcomapresentação da pesquisa e solicitação de leitura e assinatura do Termo de ConsentimentoLivre e Esclarecido – TCLE, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unisul, CAAE no 51588421.0.0000.5369.

As perguntas dos questionáriosforam adaptadas a partir de questõesjáincluídas em doisinstrumentos de pesquisa (BRASIL, 2019; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE ; BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, 2020a) publicados e validados para a língua portuguesa: “Guia Metodológico para Programas e Serviços em Telessaúde”, instrumento de medição da capacidade das instituições de saúde em administrar serviços de Telessaúde, e “Covid-19 e Telemedicina, ferramenta de medição do nível de maturidade das instituições de saúde para implementar serviços de telemedicina”. Umquarto instrumento – “Caracterização do Sujeito de pesquisa” foiapresentado a todos os participantes da amostra, e incluiuinformações sociodemográficas e profissionais.

O Questionário “Representação 1”, com 22 (vinte e duas) questões, alternadas em questões fechadas - respondidas pela escolha de uma entre trêsopções - “sim, nãoounãosei/ não se aplica”, e questõesabertas, com registro dos relatos necessários para umadescrição das iniciativas criadas, desenvolvidasou observadas no período estudado.

O Questionário “Representações 2 e 3” foiestruturadocom 26 (vinte e seis) questões, alternadas entre questões fechadas e abertas, seguindo o modelo e objetivos do anterior, porém contemplando aspectos da percepção dos gestores intermediários e profissionais de saúde em relação à experiência vivenciada e aos resultados obtidoscom a(s) mesma(s).

            Os relatórios extraídos dos formulárioseletrônicosforam compilados automaticamente, extraídos do programa Google Forms e tabulados pelo programa MS Excel, comapresentação dos resultados na forma de quadros, gráficos e tabelas. As variáveis, quandonecessário, foramapresentadas em números absolutos e proporções (%).

Para a análise do conteúdo das respostasàsperguntasabertas de naturezaqualitativa, foi utilizada a metodologia do Discurso do SujeitoColetivo-DSC (LEFÈVRE; LEFÈVRE; TEIXEIRA, 2000), que é umaproposta de organização de dados qualitativos a partir de depoimentosverbais. A técnica utiliza a Teoria da Representação Social e seuspressupostos sociológicos, e as respostassão agrupadas sob a forma de construtos, por semelhançassemânticas, em discurso sínteseredigidonaprimeirapessoa do singular, de modo a configurar umsujeitocoletivo portador de umaopiniãocomumaosindivíduosquestionados. De cada respostapessoalforam destacadas as expressões-chave, ouideiascentrais. A partir dessasideiasfoi elaborado um discurso síntese, do sujeitocoletivo, para cada um dos três grupos de sujeitosestabelecidos para esta pesquisa. Assim, o pensamento de cada grupo de entrevistados foi elaborado como um discurso-síntese dos relatos e opiniões, incluindo a valorização das redundâncias entre os discursos individuais, que foram interpretadas como ideiasmaiscompartilhadas dentro de cada grupo (LEFEVRE; CRESTANA; CORNETTA, 2003).

 

3 EXPERIÊNCIAS, EXPECTATIVAS E RESULTADOS

 

3.1 CONHECENDO A VIABILIDADE DOS PROCESSOS DE TRABALHO

 

A tabela 1 revela o número de respostasàsperguntas objetivas que contemplaram os três grupos de informantes.

 

Tabela 1 – Qualidadeestrutural e técnica da telessaúde segundo a percepção dos entrevistados das trêsrepresentaçõesestudadas. SMS Palhoça-SC, 2021.

PERGUNTA

SIM

(%)

NÃO

(%)

AUSÊNCIA DE RESPOSTA(%)

TOTAL

(%)

As agendas de atençãoaos pacientes foram ampliadas em decorrência de consultas nãopresenciais?

5

(33,3)

6

(40)

4

(26,7)

15

(100)

Os Teleatendimentos realizados nas unidades de saúdeforam integrados a alguma rede central?

2

(13,3)

9

(60)

4

(26,7)

15

(100)

Os possíveisbeneficiários (pacientes) dos telesserviçosforam informados do seulançamentooufortalecimento?

11

(73,3)

3

(20)

1

(6,7)

15

(100)

O nível de conectividade e alfabetização digital dos pacientes era conhecido?

5

(33,3)

8

(53,3)

2

(13,3)

15

(100)

Os Teleatendimentos das diferentes especialidades foram integrados à alguma rede central principal (possuíaminteroperabilidade)?

1

(6,7)

13

(86,6)

1

(6,7)

15

(100)

Foram definidos indicadores para monitoramento dos serviços?

1

(6,7)

11

(73,3)

3

(20)

15

(100)

O municípiotemalgumaexperiêncianaprestação de serviçosatravés de consultas virtuais?

3

(20)

7

(46,7)

5

(33,3)

15

(100)

Existe umacompreensão clara dos serviços que podem ser oferecidosatravés da telessaúde?

4

(26,7)

10

(66,6)

1

(6,7)

15

(100)

Vocêtemconhecimento de recursos orçamentáriosdisponíveisna SMS para oferecerserviços de telessaúde?

0

(0)

14

(93,3)

1

(6,7)

15

(100)

Você se considera apto para prestar Teleatendimento (utiliza bemtecnologias de comunicação)?

12

(80)

2

(13,3)

1

(6,7)

15

(100)

Segundo seuconhecimento, a prestação dos serviços de telessaúdeocorreu no próprio ambiente de trabalho?

10

(66,6)

3

(20)

2

(13,3)

15

(100)

A prestação dos serviços de telessaúdeocorreu no seudomicílio?

2

(13,3)

11

(73,3)

2

(13,3)

15

(100)

As unidades de saúdepossuíamespaçoadequado para a prestação de serviços de telessaúde?

6

(40)

8

(53,3)

1

(6,7)

15

(100)

As unidades de saúdepossuíamconexãofixa e estável de internet para a prestação de serviços de telessaúde?

8

(53,3)

7

(46,7)

0

(0)

15

(100)

Vocêacha que o Teleatendimentopõe em risco a segurança do profissional e/ou paciente?

1

(6,7)

10

(66,6)

4

(26,7)

15

(100)

Vocêacha que o Teleatendimentopõe em risco a privacidade e confidencialidade dos dados (sigilo profissional)?

4

(26,7)

9

(60)

2

(13,3)

15

(100%)

Você considera que os Teleatendimentosforamnecessários (imprescindíveis) no contexto da pandemia?

14

(93,3)

0

(0)

1

(6,7)

15

(100%)

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

 

Em 60% das respostas, os entrevistados negaramque os Teleatendimentos realizados nas unidades de saúdeforam integrados a alguma rede central, e 86,6% negaraminteroperabilidade entre os serviços; 66,6% afirmaram que o telesserviçofoi realizado dentro do próprio ambiente de trabalho, 53,3% nãotinhamespaçoadequado para a prestação dos telesserviços e 53,3% possuíamconexãofixa e estável de internet. Nãoforam definidos indicadores de monitoramento em 73,3% dos serviços indicados. Recursos orçamentários da SMS de Palhoça para oferecerserviços de telessaúdenãoeram do conhecimento de 93,3% dos entrevistados.

            Em relação à segurança do paciente e dos profissionais, 66,6% informaram que Teleatendimentonãoaumentou o risco dos envolvidos, e 60% afirmaram que o teleserviçonãoacarretouquebra de sigilo profissional.

            Em 80% das entrevistas os informantes se consideraram aptos a utilizar as tecnologias de comunicação, e 93,3% concordaram que os Teleatendimentosforamimprescindíveis no contexto da pandemia.

 

3.2 REPRESENTAÇÕES SOBRE AS INICIATIVAS REALIZADAS

 

O Quadro 1 mostra o total de ideiascentrais a partir da análise das respostas dos quinze entrevistados à pergunta: “Quaisforam as iniciativas de teleatendimento identificadas em Palhoça durante a pandemia? Caracterize-as.”. Cada informante chave pode ter contribuídocommais do que umaideia central.  O gráfico 1 mostra a distribuição das respostas de acordocom cada categoria de entrevistado.

 

Quadro 1 – Síntesequalitativa das representaçõessociais relacionadas às iniciativas de comunicação remota utilizadas durante a pandemia. SMS Palhoça-SC, 2021.

Categoriasideiascentrais

TELEATENDIMENTOS DAS DIFERENTES ESPECIALIDADES

Teleodontologia: esta iniciativa surgiu originada da gestão municipal, comramificação para a Unidade Básica de Saúde (UBS). Em decorrência da desorganização do processo de trabalho, o canal de acessoaoconsultório odontológico, no caso da UBS Passagem, foipossível por meio de troca de mensagens em aplicativo (WhatsApp) gerido pela dentista responsável. O canal é atualmente utilizado para manejo de dúvidas. Em 17 meses, 20.900 Teleatendimentos odontológicos foram realizados no município e 7.398 consultas presenciaisforam agendadas, a partir da Teleorientação odontológica.

Teleatendimento em nutrição: as teleconsultassurgiramna pandemia e continuam em uso, agendadas por meio de mensagemviaWhatsApp e realizadas a partir de ligaçãotelefônica (maioria), ligação de WhatsApp e mensagem escrita quando o usuárioapresentava problema de audição. O atendimentodurava cerca de 30 minutos sob a condição de o paciente estar em local provido de sinal de internet. O conteúdo do atendimentofoi registrado no prontuário do G-MUS (ferramenta de gestão da atenção básica do município) de cada usuário.

Teleacompanhamento em fonoaudiologia:surgiuna fase crítica da pandemia, ligávamos para interrogar se o paciente continuava realizando os exercíciospropostos para o tratamento, e se apresentavaalgumadificuldade de deglutição.

Teleconsulta em psicologia: os pacientes ficaramreceosos no início sobre a modalidade de atendimento, em relação à expressão de ideias e da eficácia do cuidado, mas os que aceitaramrealizá-lo na fase crítica da pandemia conseguiramreceber alta antes do previsto. Muitos pacientes reconheceram como positivo o atendimento realizado por ligaçãotelefônica. Nãohouveum registro específico da quantidade de pacientes atendidos, mas a fila de espera do atendimento psicológico diminuiumuito: no bairro Alto Aririu a lista de espera foi liquidada e no MédioAririureduziumais que 50%.

Telereabilitação: teve como objetivo sanar a demanda de reabilitaçãorespiratória, inicialmente, de pacientes pós-COVID e, posteriormente, foi ampliada para outrostratamentosfisioterapêuticos. A intervenção se deuapóstriagem, sendo o paciente incluído em grupo de WhatsAppatravés do qualforam enviados vídeos demonstrativos de exercícios. O canal, que surgiuna pandemia e continua em uso, tambémserviu para comunicaçãocom o intuito de seguimento do paciente de forma individual.

TELEORIENTAÇÃO

Teleatendimento independente nasUBSs:ocorreu a partir de mensagens de WhatsApp, foi implementado naprimeira semana de isolamento social para informar a população sobre a pandemia, resolver problemas administrativos e esclarecer dúvidas sobre consultas e outrosatendimentos. Hoje, permanece como um canal de dúvidas.

Central COVID: operada no âmbito da vigilância epidemiológica, era responsável por triar vialigaçãotelefônica casos suspeitosou confirmados e encaminhar os pacientes para atendimentonasUBSs, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais, no caso de gravidade. Na fase crítica da pandemia tambémfoi utilizada para o acompanhamento dos casos em isolamento e tratamento domiciliar.

TELEMEDICINA

Teleconsultoriaautônoma: Mesmo antes da pandemia, utilizo meu celular pessoal para contatar colegas especialistas do NASF e pacientes por WhatsApp, como objetivo de triagem e encaminhamento para as especialidades.

Teleconsultoria vinculada ao estado: realizado viamensagem de WhatsApp, com retirada de dúvidas e opinião formativa de profissionais de todo o estado. Tal iniciativa teve início antes da pandemia e continua em uso.

Teledermatologia: utilizada desde antes da pandemia, comelaboração de laudos e classificação de risco de lesões de pele, via sistema online, por médicos especialistas, contatados pelo médico que acompanha o paciente presencialmente.

Telemedicina e monitoramentoambulatorial:avaliação da progressão, respostaouevolução de umasituação específica. NaUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) – Palhoça/SC, por exemplo, foi implementada durante a pandemia, objetivando a supervisão de idosos (principalmente), acometidos diretaouindiretamente pela COVID-19. NaUnisul, essemonitoramentovemsendo realizado através de ligaçãotelefônica, mensagemou vídeo chamada no WhatsApp. A modalidade é umapráticacorriqueira, e a pandemia apenas intensificou a necessidade de ampliar as ferramentas e formas de organização.

SUPERVISÃO DAS ATIVIDADES DE TELEASSISTÊNCIA

Coordenação das tarefas de monitoramento:Coordenador de distrito foiresponsável por dividir tarefas dentre os servidores que prestavamapoio, atualizandoinformações dos pacientes e organizando condutas, viamensagem no WhatsApp e ligaçãotelefônica. Essaorganizaçãojáexistiaantes da pandemia, porémfoi intensificada no período.

TRABALHO REMOTO

Home office: O trabalho remoto durante a pandemia nãofoiobrigatório em Palhoça, ficando a critério da Administração e dos gestores das Unidades. As prioridades foram os idosos, gestantes ou lactantes, funcionários que trabalham exclusivamente comprocessoseletrônicos, pessoascomdeficiênciaou que vivam/ convivamcompessoascomdeficiência e todos os pertencentesaos grupos de risco do COVID-19. Para participar era necessário ter indicação do Secretário da Pasta ouChefiaimediataoupertencer à grupo de risco. O home office foi vetado aos servidores que ocupavam cargos de direçãoourealizavam jornada de trabalhoreduzida. Ponto digital (pelo sistema de gestão e ponto eletrônico) controlava o horário de trabalho, e metas pré-definidas garantiam a produtividade.

Fonte: elaborado pelos autores.

 

Gráfico 1 - Representaçõessociais dos dirigentes, gestores intermediários e profissionais da saúde a respeito das iniciativas de telessaúde utilizadas em Palhoça durante a pandemia de COVID-19.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

 

Os profissionais de saúdeparticiparam da caracterização de 84,6% das iniciativas identificadas, enquanto o porta voz dos dirigentes caracterizou 38,4% e gestãointermediária 30,7%.

            Com a identificação das ideiascentrais e ancoragensdesenvolvidas pelos três agregados profissionaisestudados, foi sintetizado um DSC para cada grupo apresentado a seguir:

 

 

DIRIGENTE

A Teleodontologia, o Home office quando indicado e os TeleatendimentosnasUBSscommatriciamento/triagem dos pacientes em isolamento social, comnecessidade de encaminhamento para as especialidades, são as iniciativas que identifico como iniciadas durante a pandemia de COVID-19, realizadas viaWhatsApp, ligaçãotelefônicaouvideoconferência.

Desconheço mecanismo de incentivo aosserviços de telessaúde em Palhoça e nãosei afirmar se oferecê-los é umaprioridade da SMS do município, porém considero possívela integração, regulamentação e ampliação dos serviços iniciados durante a pandemia e estouotimista em relação à perspectiva de evolução e ampliação dos serviços de telessaúde criados ou utilizados mais intensivamente durante o período, especialmente em relaçãoàsestratégias de matriciamento e atendimento especializado aonível das Unidades Básicas de Saúde.

 

GESTORES INTERMEDIÁRIOS

Agilidade, menor circulação de usuários, facilidade de acesso e menor necessidade de estrutura física para o atendimentoforam características positivas da Teleorientação, Telemedicina e Teleodontologia, iniciativas implantadas durante a pandemia em Palhoça. Entretanto, o atendimento virtual tende a ser menos acolhedor, gerando menor vínculo com o paciente, que muitasvezes precisa ser encaminhadoaoatendimento presencial.

Considero que a telessaúdeobteveêxito no município e a gestãojá está tentando viabilizar equipamentos e suporte para que logo possamos retomar o serviço dentro de todas as Unidades de Saúde. Com a melhora da estrutura física e a capacitação dos profissionais, acredito naampliação do Teleatendimento para todos os níveis de atenção.

 

PROFISSIONAIS DA SAÚDE

A adaptação dos profissionaistornoupossível a continuidade do cuidado aoscidadãos de Palhoça. O Teleatendimentofoi/é umarealidadenanutrição, fonoaudiologia, odontologia, psicologia, fisioterapia e medicina, coordenadas ounão pelos gestores.

A telessaúde permite agilidade e proximidadecom os usuários, em contato preciso, prático e seguro. Porém, a facilidadetrouxetambém a alta expectativa e imediatismo por parte dos pacientes, gerando sobrecarga de trabalhoaosprofissionais. A impessoalidadenasrelações, a indisponibilidade dos dispositivos adequados (celulares, computadores comcâmeras) e a máqualidade da internetconstituemrealidadecomum entre pacientes e profissionaisnas unidades de saúde. Outro aspecto, por parte dos pacientes, é a dificuldade de utilização das tecnologias de comunicação e a falta de conhecimento sobre os serviçosdisponíveis.

Tecnicamente, a máorganização dos serviços de triagem está relacionada à demora desnecessária e maudirecionamentoàs especialidades, já que a consulta subsequente para a resposta da teleconsulta atrasa a abordagem do especialista. Em relação à Teleconsultoria e a Teledermatologia (vinculadas ao estado), a demora no retorno, respostas técnicas ignorando a subjetividade dos sujeitos e a nãopossibilidade de diálogo (quando o caso é negado viaTeleconsultorias, o paciente permanece semavaliaçãoouapoio do especialista) constituem pontos negativos de serviçosjáestabelecidos, o que me leva a pensar nãosónanecessidade de planejamento dos serviços que surgiram durante a pandemia, mas também dos jáestruturados.

Infelizmente, nãohá registro específico do número de pacientes atendidos, pois as medidas foramadotadas de maneira contingencial, progressiva e conforme demanda, o que dificulta dimensionar a extensão das iniciativas.

Para o futuro, espero que a telessaúdesejaumaferramenta a mais para auxiliar os profissionais de saúde em seuprocesso de trabalho. Nesse contexto, o planejamento e a organização das iniciativas tornam-se necessárias para que nãotrabalhem de forma reativa, o que inclui a disponibilização de dispositivos comcâmera e acesso a internet. Semgestãoadequadanão será possívelmanter os Teleatendimentos, sendoinviável a absorção da demanda presencial, represada por longo período de isolamento, mantendo as iniciativas online prioritariamente individuais.

 

4. DISCUSSÃO: CARACTERIZAÇÃO, LIMITAÇÕES E POTENCIALIDADES DO TELETRABALHO EM SAÚDE

 

A pandemia de COVID-19 colocou os sistemas de saúde em questionamento, e trouxe a necessidade de ampliação das redes de cuidado e adaptação dos processos de assistência à saúde (SACHETT, 2020;ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020b)induzindoou acelerando umprocesso de transição tecnológica que estava latente no âmbito das organizações. O trabalho em saúde, por natureza, temcentralidade no trabalho vivo, ouseja, a saúdeocorresimbolicamente no ato de encontro entre um paciente comsuasnecessidades e umprofissional de saúderesponsável por atendê-las. Nestecenário, o profissionaltemsuaatividade presidida por elevado grau de liberdade e subjetividade, representadas pela singularidadecom que cada um significa a suaatribuição. No contexto desta pesquisa, o ato produtivo do trabalhador em saúdenãofoi determinado, mas produzido pelo própriotrabalhador e orientado pelos limites das tecnologias de comunicaçãodisponíveis(FRANCO; MERHY, 2012), a partir dos propósitos internalizados por cada um e pelo grupo, e da resiliência dos profissionaisdiante dos eventuais obstáculos que encontraram para desempenharsuafunção.

A identificação e caracterização das iniciativas de telessaúde de Palhoça – SC no período da pandemia pelo SARS-CoV-2, objetivo da pesquisa desenvolvida e apresentadaneste artigo, foigradativamente desvelando não apenas soluçõesindividuaisou de uso da equipe de saúde em pontos isolados da rede de atenção, mas a superação de limites a partir de iniciativas tãoengenhosasquanto improvisadas para superar os obstáculos impostos pela pandemia.

No que dizrespeitoaocomprometimento dos profissionaiscom a saúde continuada, seutélos está naexistência do paciente (FRANCO; MERHY, 2012) e a adaptação e inovaçãoconstituíram importantes estratégias de garantia de assistência no contexto pandêmico. A predominância de 84,6% dos profissionais de saúde no conhecimento e aplicação das iniciativas identificadas em Palhoça é reflexo do papel central que a categoriarepresentou no processo de resiliência em cuidados de saúde (LYNG et al., 2021).

O Teleatendimentonas áreas de nutrição e fisioterapia/reabilitação e a supervisão de idosos (principalmente), acometidos diretaouindiretamente pela COVID-19, por alunos do curso de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) – Palhoça/SC, por exemplo, foram iniciativas que surgiram em decorrência da pandemia e permanecem em uso. Já o teleatendimentonas áreas de fonoaudiologia e psicologia e a Central - COVID de Teleorientação e Triagemforam usados somentena fase inicial – e crítica – da pandemia.

Enquantoalgumas iniciativas apresentaram cobertura restrita a umprofissional de saúdeou a umterritório da Equipe de Saúde da Família, a Teleodontologia, sustentada pelo conceito de teleorientação odontológica, foiamplamente utilizada em muitasUBSs da rede, com registros de 20.900 teleatendimentos em 17 meses de atividade, mantendo-se ainda em uso como canal de orientação e tira-dúvidas.

Enquanto o contexto de criação de algumas iniciativas partiu das necessidades e restriçõesadvindas da pandemia, várias iniciativas clínicas individuais de monitoramento de pacientes por WhatsApp, assim como as teleconsultorias do Sistema Catarinense de Telemedicina e Telessaúde (STT/SC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceriacom a Secretaria Estadual de Saúde (SES) (SISTEMA, 2018) e o Programa de Teledermatologia(FERREIRA et al., 2019), jáeram iniciativas consolidadas antes do início da pandemia.

As iniciativas de telesserviçojá mencionadas apresentaramvários resultados que sugeremumacontribuição relevante oferecidaàs equipes de saúde e aosusuários no período maisrestritivo da pandemia. Neste aspecto, destaca-se a significativa redução das filas de atendimento psicológico, que foram liquidadas em umbairro e reduzidas à metade em outro. Ao mesmo tempo, o aumento da prevalência de depressão, ansiedade e abuso de substânciastornaram a telessaúdeumanecessidadepercebidarapidamente pelos profissionais de saúdedesta área. Nos Estados Unidos, investimentos milionários em plataformas para conectar profissionais e pacientes foram realizados, o que resultou no uso da tecnologia para atender pacientes de forma remota por 40% dos provedores de saúde mental (ROSENTHAL et al., 2022).

A disponibilidade de equipamentos de uso pessoal e de aplicativos de uso geral, masfacilmenteadaptáveis para um uso mais dedicado para o propósito profissionaltambémcontribuíram para que várias das iniciativas aquiapresentadasfossemrapidamente implementadas na rede de atenção à saúde do município de Palhoça-SC. Por outro lado, a facilidade que o contato remoto, telefônicoou por imagem permite sem a necessidade de deslocamento tanto dos profissionais de saúdequanto dos pacientes, foi fundamental para o sucessodessas iniciativas, o que foireconhecido por praticamente todos os entrevistados dos três agregados estudados. A capacidade de superar fronteiras geográficas e dificuldadessocioeconômicas e permitir a aproximação de populações de difícil acessibilidadecom os serviços de saúdesemprefoium elemento motivador para o desenvolvimento de soluções tecnológicas de comunicaçãocom foco nasaúde (SACHETT, 2020). A necessidade de expansão do cuidado a partir da redução das distâncias, enfim, não é novidade, e tem norteado o avanço da telessaúde, principalmente em relaçãoao o telediagnóstico e à teleconsultoria em diversos países, serviçosagora potencializados pela pandemia (CAETANO et al., 2020).

É interessantesalientar que as iniciativas caracterizadas nesteestudo, em suatotalidade, foramdesenvolvidasassumindo o pressuposto da segurança do trabalhoonline e, portanto, superando o temor da quebra da confidencialidade – confirmado por 60% dos entrevistados, que nãoconsideraram que os telesserviçosacarretariamquebra de sigilo profissional. Assim, as soluçõesassistenciais remotas criadas respeitaram adimensão subjetiva dos atosprodutivos do cuidado, em que o trabalho em saúde se dásempreatravés de umencontro, presencial ouonline, protegido pela ética do cuidado (FRANCO; MERHY, 2012). Apesar de nãoterem sido percebidos nos discursos colhidosnesteestudo, é natural que haja medo, tanto por parte dos profissionais de saúdequanto por parte dos usuários, em submeter-se a práticaspouco humanizadas e, no limite, à perda da privacidade. Para além dos marcos legais que regulamentam os Teleatendimentos em váriasprofissões da área da saúde(SACHETT, 2020), a melhorexplicação para o desenvolvimento das iniciativas apresentadas é o de que houve a valorização dos vínculos de confiança, e a priorização da cooperação, o que superou o temor dos riscos inerentesao ato de se exporao cuidado.

A heterogeneidade dos serviços e especialidades oferecidas pela telessaúde, de certa forma, indica a necessidade de umaintegraçãomais consistente e de apoio institucional para a garantia de suacontinuidade, o que nãofoi observado em Palhoça. Nasrespostasaosquestionários, 60% dos informantes chaves desconhecemintegração a alguma rede central dos telesserviços mencionados, e 86,6% negaramcomunicação/interoperalidade entre os atendimentos prestados. Aocompreender o “novo normal”, os resultados promissores das inovaçõesnas formas de cuidado reivindicamsustentabilidade a longo prazo, o que é relevante tanto para os profissionais, mas, principalmente, para os gestores da rede de saúde (DRAKE et al., 2022). As iniciativas descritas e as respostasmais específicas dos entrevistados em relaçãoao contexto em que as mesmas foramdesenvolvidas, reforçam a ideia de que foram criadas de forma isolada, nãotinham o propósito imediato de integração e nem mesmo foramapoiadas pela gestão. Elas se colocaram no âmbito das criaçõesadvindas da necessidade imperativa de superar obstáculos que impediam o exercício pleno de algo profundo e compulsório: o ato do cuidado.

Apesar dos entrevistados se considerarem aptos a utilizar as TICs, houve a percepção de que, no pólo dos usuários, esta facilidadenão se repete com a mesma unanimidade, já que 80% das respostasindicaram a dificuldade dos pacientes em utilizar essastecnologias. Além das dificuldadesapresentadas pelos idosos e portadores de deficiências e dificuldade para manusearequipamentoseletrônicos, os pacientes podem se sentir ameaçadosaoreceberematendimento de saúde à distância. No entanto, estas dificuldades, quandobem manejadas, podem ser superadas pelas equipes de saúdecomorientação para o uso, assim como pela identificação visual dos profissionais da atenção. Soluçõesmaisabrangentespoderiam incluir a integração dos telesserviços a plataformas familiares, mas esta perspectiva nãoestavadisponível no momento em que estas iniciativas foram implementadas (SACHETT, 2020).Assim como em Palhoça – SC, no mundo inteiro iniciativas como a de um programa desenvolvidonaItália em menos de trintadiascom os objetivos de auxiliar diagnóstico odontológico a partir de questionários e fotos, comprovaram que a necessidade de garantir o cuidado em meioàs adversidades da pandemia foi o motor para a reinvenção e utilização de formas de comunicaçãonãoconvencionais que permitiram a reorganização e manutenção dos serviços de saúdesobnovos paradigmas (FAZIO et al., 2022).

No bojo do impacto da pandemia sobre o funcionamento dos serviços de saúde, as novas soluções encontradas para evitar o colapso das redes de atençãotambémforamacompanhadas por riscos e efeitos adversos. A impessoalidade das relaçõesprofissional-paciente, possível no contexto do atendimento remoto, os limites colocados peloimediatismo das soluções encontradas e a sobrecarga de trabalhodecorrente das novas formas de trabalho implementadas durante a pandemia foramalguns dos aspectos negativos levantados pelos entrevistados. A saúde é um dos lugares onde a realização do trabalho se dátambém no âmbitoafetivo, já que raramente prescinde do vínculo, e por envolver afeto, as características do trabalho vivo sãosempre próximas do caótico (FRANCO; MERHY, 2012), independentemente do contexto. Não se pode imaginar o trabalho vivo, mesmo que reduzidoaocontato remoto, sem os problemas já identificados no cotidiano profissional em tempos ditos “normais”. A precarização do trabalho, a pressão, cobranças e incertezas semprefizeram parte do conceito de trabalho em saúde, e o “trabalharna pandemia” apenas comprovou que mesmo emsituações-limite como o do trabalho em saúde, sempre é possível imaginar exigênciasaindamaioresaostrabalhadores, caso dos desafiosimpostos pela pandemia a todos os que estavamnalinha de frente nos serviços de saúde (FALCÃO; SANTOS, 2021).

As insatisfações em relação à operacionalidade das iniciativas podem, em parte, ser justificadas pela ausência de umespaçoadequado e de conexãofixa e estável de internetnas unidades de saúde, fundamentais à prática, e queixas em metade das respostas (53,3%). Alémdisso, nãohouvealocação de recursos orçamentários por parte da SMS, referido por 93,3% dos informantes, respectivamente. O DSC – Dirigente confirma esta percepção dos profissionaisaodesconhecer incentivos aosserviços de telessaúde e não sabe se esta seria umaprioridade da SMS. Sabe-se que a utilização da telessaúde implica em investimentos em infraestrutura, TICscapazes de garantir a interoperabilidade, recursos humanos, sistemas e organização eficaz. Alémdisso, exige clareza de propósitos por parte da gestão, o que não depende apenas de recursos financeiros. Assim como em Palhoça, que desenvolveu sistemas isolados, em geralcombaixa cobertura e poucapreocupaçãocom o monitoramento, a ausência de prioridadenainfraestrutura de informação e comunicação, assim como de treinamento dos profissionais da rede pode se mostrar um grande desafioquando o problema for ampliado para o contexto brasileiro (CAETANO et al., 2020). Umadimensãoessencial da avaliação – a participação dos usuários no processo de criação, desenvolvimento, monitoramento e validação dos resultados obtidos – foi, por vários motivos, eclipsado pelo protagonismo dos profissionais de saúdenesteprocesso. De qualquer forma, os pacientes, fonte e objetivo de toda iniciativa de cuidado, devem estar dispostos a assumirum papel ativo em relaçãoaoseu autocuidado, por um lado, e atentos emrelaçãoaosserviços que foram criados para atendê-lo, garantindo o melhorarranjoassistencial para a satisfação de suasnecessidades em saúde. Não existe outra fórmula conhecida para que se implante um sistema de saúdecomalguma chance de sucesso (SACHETT, 2020).

A percepção dos usuários, pouco valorizada no contexto desta pesquisa, entretanto, foi mapeada e coletada por instrumentos especificamente elaborados para avaliar a experiênciados pacientes que se beneficiaram das experiênciasaqui relatadas. Esta dimensão da experiência dos usuárioscomtelesserviços no decorrer da pandemia será objeto de um artigo científico específico, diante da riqueza e dimensãoconsiderável do material obtido.

A pandemia de COVID-19 funcionou como combustível à expansão da telessaúde. Emboraao final de 2020 suautilizaçãotenhadiminuído, permaneceu marcadamente superior aosníveis de 2018 e 2019 e sugeriu que, provavelmente, irá desempenhar importante papel nos processos de cuidado em saúde no pós-pandemia (FRIEDMAN et al., 2022). No presente trabalho, “a integração, regulamentação e ampliação dos serviços iniciados durante a pandemia” foi considerada possível pelo DSC – Dirigente, “especialmente em relaçãoàsestratégias de matriciamento e atendimento especializado aonível das Unidades Básicas de Saúde”.Para os gestores e profissionais da saúde, a melhora da estrutura física e a capacitação dos profissionaistornarãopossívelessaampliação, e prometem representar nova ferramenta de cuidado.

Tornar a telessaúdeumnovocomportamento em saúde é umprocesso fundamental nasedimentação das iniciativas já observadas (ROSENTHAL et al., 2022), e podem ser capazes de expandir a prestação de serviços e reconfigurar a prática do cuidado em saúde no futuro (CAETANO et al., 2020).

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Teleatendimentonas áreas de nutrição e fisioterapia e o monitoramento de pacientes acometidos pela COVID-19 por alunos do curso de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) – Palhoça/SC foram iniciativas que surgiramna pandemia, permanecem em uso e tendem à expansão e aoreordenamento. Os Teleatendimentosnas áreas de fonoaudiologia e psicologia, o sistema de Teleorientação e Triagem da Central – COVID e a Teleorientação odontológica tiveramsuautilização descontinuada/transformada, apesar das importantes evidências, aqui descritas, de suaeficácia e aplicabilidade. As iniciativas clínicas individuais, as teleconsultorias vinculadas ao estado e o Programa de Teledermatologia, consolidadas em período anterior, foram valorizadas em suafunção de ferramenta de trabalho em saúde.

A importante redução das filas de atendimento psicológico, liquidadas em umbairro e reduzidasmais que a metade em outro, assim como os expressivos registros de abrangência da Teleodontologia no período pandêmicodemonstraram os significativos impactos daimplantação da Telessaúde sobre a reordenação do cuidado no município, e o protagonismo dos profissionais de saúdenessereordenamentofoi o intuitivo, diante da centralidade do paciente no ato de cuidado.

A facilidade do contatoremoto, por telefoneouimagem, sem a necessidade de deslocamento dos profissionais de saúde e dos pacientes, a disponibilidade de equipamentos de uso pessoaladaptáveis para o uso profissional e a segurança do trabalhoonlineforam importantes aspectos positivos registrados. A valorização dos vínculos de confiança e a priorização da cooperaçãoforamtambém mecanismos em prol da resiliência do Sistema de Saúde de Palhoça. Entretanto, as respostas dos entrevistados revelaram que as iniciativasforam criadas de forma isolada e nãotinham propósito inicial de integração, nemforamestruturadas e apoiadas pela gestão. Alémdisso, impessoalidade das relaçõesprofissional-paciente, ausência de umespaçoadequado e de conexãofixa e estável de internetnas unidades de saúde, pontuadas em metade das respostas, imediatismo por soluções e sobrecarga de trabalhoforamalguns dos aspectos negativos observados.

Apesar da falta, inicialmente, de envolvimento da gestãocom as iniciativas, a ampliação e organização dos Telesserviçosfoi considerada possível pelo porta-voz dos dirigentes de Palhoça, e o sucesso da solidificação das ferramentasvirtuais, navisão dos gestores intermediários e profissionais da saúde, foi considerada dependente das melhorias em infraestrutura, capacitação e ordenamento - compromissos e responsabilidades, primordialmente, da gestão. 

Com a criatividade e resiliência das iniciativas aquiexemplificadas pelas açõesdesenvolvidas no município catarinense, e o uso das tecnologiasreconhecidas como o “novo normal” potencializadas pelo recente contexto de isolamento social, observa-se umaverdadeirarevolução e transição tecnológica global, e espera-se umcrescente investimento dos governosnagarantia da modernização e facilidade da assistência à saúde, e todos os seusprincípios.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1]Estudante de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

[2] Médico, Doutor em Ergonomia, Professor do Curso de Medicina da Unisul.

[3] Dentista, Mestre em Ortodontia e Especialista em Saúde da Família, Servidora Municipal de Palhoça.