OSWALDO CRUZ E O IDEÁRIO DE PAULO OTLET E HENRI LA FONTAINE

 

Alice Ferry de Moraes [1]

aliceferry@terra.com.br

 

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Resumo

Este artigo visa analisar as atividades científicas demandadas por problemas de saúde pública, realizadas por Oswaldo Cruz e pesquisadores do Instituto que leva seu nome, no período de 1909 a 1916. Elas geraram ações informacionais objetivas, que foram organizadas para consumo nas pesquisas, em tomadas de decisão governamentais e de instituições particulares. Também foram programadas para a divulgação de informação em saúde no país e no mundo, através de publicações científicas, da imprensa, de congressos, de exposições e do ensino. O método utilizado foi inspirado nos fundamentos da documentação criados pelos belgas Paul Otlet e Henri La Fontaine, a partir do século XIX.

Palavras-chave: Informação em saúde; Documentação; Saúde pública; Oswaldo Cruz; Paulo Otlet; Henri La Fontaine.

OSWALDO CRUZ AND THE IDEARY OF PAULO OTLET AND HENRI LA FONTAINE

 

Abstract

This article aims to analyze the scientific activities demanded by public health problems, carried out by Oswaldo Cruz and researchers of the Institute that bears his name, in the period from 1909 to 1916. They generated objective informational actions, They were organized for consumption in research, in government decision-making and private institutions, they were also programmed for the dissemination of health information in the country and in the world, by scientific publications, the press, congresses, exhibitions and teaching. The method used was inspired by the foundations of the documentation created by the Belgians Paul Otlet and Henri La Fontaine, from the 19th century.

Keywords: Health information; Documentation; Public health; Oswaldo Cruz; Paulo Otlet; Henri La Fontaine.

1    INTRODUÇÃO

Este artigo visa identificar e confirmar o uso, por parte do jovem Oswaldo Cruz, do ideário sobre documentação dos belgas Paulo Otlet e Henri La Fontaine, numa atitude pioneira em termos de informação em saúde no Brasil, que acompanhou outras iniciativas informacionais que aconteciam no mundo.

A influência de seu pai, médico sanitarista, apareceu em seus pequenos hábitos de trabalho e pesquisa, assim como um forte interesse pelos problemas de saúde do seu entorno, originados por questões sanitárias. Ele parecia ser um rapaz bem informado. Desde sua formatura, aos 20 anos, foi possível verificar também que Oswaldo Cruz conhecia as iniciativas sobre saúde pública que estavam grassando na Europa.

Os primeiros indícios do ideário de Otlet e La Fontaine surgiram nas atividades de pesquisa no Instituto Soroterápico Federal, desde 1900. Com o passar do tempo, esses indícios foram aumentando, seja na formação do acervo na Biblioteca de Manguinhos, assim chamada em referência à região onde estava localizado o Instituto, seja na coleta de material (fotos, desenhos, peças anatomopatológicas, insetos, bactérias, etc.) obtido nas pesquisas. Havia um nítido propósito de documentar tudo que era produzido no Instituto.

Outras iniciativas documentais foram surgindo, outras se aprimorando, mas faltava uma prova cabal da aceitação do ideário da dupla belga e ela foi, finalmente, obtida. Oswaldo Cruz, no tocante à informação em saúde, pretendia, de forma clara, coletar, organizar e difundir os frutos das pesquisas ali desenvolvidas.

Este trabalho ficou restrito aos tempos de Oswaldo Cruz desde o início do Instituto Soroterápico Federal chamado depois de Instituto Oswaldo Cruz até a sua saída de lá, ou seja, de 1900 a 1916.

Ao falar em informação em saúde no Brasil, é importante falar de Oswaldo Cruz e suas iniciativas em saúde pública conjugadas com suas iniciativas informacionais

 

2    OS PRIMEIROS INDÍCIOS

Oswaldo Cruz era médico, sanitarista e filho do médico Bento Gonçalves Cruz. Nasceu em 05 de agosto de 1872, em São Luís de Paraitinga, SP. Veio menino para o Rio de Janeiro, quando seu pai foi trabalhar no ambulatório da Fábrica de Tecidos Corcovado, na Gávea. Em 1886, D. Pedro II nomeou Dr. Bento como membro da Junta Central de Higiene Pública. Quando Oswaldo Cruz entrou para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, aos 14 anos, o tema Higiene Pública não lhe era estranho, por conta do cargo que seu pai exercia. Infelizmente, seu pai veio a falecer, aos 47 anos, vítima de doença renal, no dia da sua formatura em Medicina, dia 08 de novembro de 1892. Seu trabalho de conclusão de curso foi A veiculação microbiana pelas águas e tinha como tema o uso de aparelhos para coleta de águas a serem analisadas. (BUSTAMANTE, 1972, p.19)

Dois meses depois de formado, Oswaldo Cruz se casou com Emília da Fonseca e assumiu o lugar do pai, na função de médico na fábrica de tecidos. Por conta disso, Oswaldo Cruz publicou, em 16 de junho de 1894, o resultado de uma pesquisa sua sobre As condições higiênicas e o estado sanitário da Gávea, focando na rua Jardim Botânico, do bairro da Gávea na época, onde dois riachos, Cabeça e Macacos, corriam em direção à Lagoa Rodrigo de Freitas. Oswaldo Cruz concluiu dizendo que pretendia “ajudar as autoridades competentes na obra de saneamento da cidade do Rio de Janeiro”. (BUSTAMANTE, 1972, p. 225),

No dia 15 de setembro do mesmo ano, ele publicou Os esgotos da Gávea. Neste trabalho, ele afirmou que o sistema de esgotos estava perfeito. Mas ele advertiu sobre a necessidade de canalização das águas pluviais, bem como o tratamento químico dos materiais fecais antes de serem lançados ao mar, seu destino final. (BUSTAMANTE, 1972, p. 237).

Com essa experiência, baseada em pesquisas e estudos sérios sobre o bairro onde morava, Oswaldo Cruz embarcou para Paris, em 1897, para estudos no Instituto Pasteur, acompanhado por sua mulher e filhos.

E o que Oswaldo Cruz encontrou na Europa? Oswaldo Cruz ficou no Instituto Pasteur, em Paris, entre 1896 e 1899, período que coincide com a criação do Institut International de Bibliographie (IIB), em 1896, em Bruxelas, por dois advogados belgas: Paul Otlet e Henri La Fontaine, com o objetivo organizar documentos científicos e também de diversas áreas do conhecimento.

Na Inglaterra, em 1896, a Royal Society of London discutiu a necessidade da criação de bibliografias para as ciências puras, para o International Catalogue of Scientific Literature.

Havia um aumento nas campanhas de saúde pública em diversos países da Europa. Era unânime a busca pelo fim de doenças provocadas pela miséria e modo de vida. Oswaldo Cruz já se preocupava com essas necessidades fundamentais da saúde, através de trabalhos publicados e citados acima

De volta ao Brasil, em outubro de 1899, Oswaldo Cruz, aos 27 anos, foi convocado pelo Governo Federal para diagnosticar a doença que grassava no porto de Santos, São Paulo. Tudo indicava ser a peste bubônica. Partia Oswaldo Cruz para sua nova missão, em um trem noturno, fazendo anotações manuscritas, no seu “Diário de Laboratório”, sobre um programa e cronograma de trabalho, baseando-se na microbiologia. Ao chegar, Oswaldo Cruz teve uma reunião com os cientistas Emílio Ribas, Adolpho Lutz, Vital Brazil, Vitor Godinho, Eduardo Lopes e Luiz Faria. Os trabalhos se iniciaram e um bacilo análogo ao da peste bubônica foi identificado, conforme registro no Relatório acerca da moléstia reinante em Santos, de Oswaldo Cruz. (BUSTAMANTE, 1972, p. 323). De acordo com suas recomendações, feitas ao Ministro Epitácio Pessoa, responsável pela saúde pública no país, era necessária a produção local de soro antipestoso para combater a doença. No Rio de Janeiro, o Barão de Pedro Affonso iniciou as negociações com o Governo para a instalação de um Instituto com tal missão, na fazenda Manguinhos, afastada da cidade.

No dia 25 de maio de 1900, em cerimônia simples, foi inaugurado o Instituto Soroterápico Federal para fabricação de soro antipestoso, sob a direção do referido Barão e direção técnica de Oswaldo Cruz. O Instituto possuía laboratórios improvisados em velhas casas pequenas. Em uma delas, Oswaldo Cruz trabalhava, com uma equipe, no preparo do soro antipestoso. Ele também se ocupava com a fabricação de pipetas e outras vidrarias, conforme aprendeu no Instituto Pasteur.

Junto ao laboratório, havia uma espaço dedicado a uma “biblioteca”, com um armário de livros e periódicos científicos e um espaço que funcionava como sala de leituras e onde acontecia, sempre à noite, a “Mesa das Quartas-Feiras.” Para esta atividade, os periódicos nacionais e estrangeiros que chegavam, eram examinados por Oswaldo Cruz. Depois, ele distribuía exemplares a cada membro da equipe de pesquisas para que fossem lidos os artigos indicados por ele, dentro da pertinência do trabalho de cada um. Os artigos eram lidos, resumidos, seus assuntos identificados e classificados pela Classificação Decimal Universal (CDU)[2] e discutidos na “Mesa” da semana seguinte. Este foi o primeiro indício sobre a presença do ideário do Otlet e La Fontaine relacionado aos trabalhos de Oswaldo Cruz.

Em 1901, o Instituto já produzia o soro pestoso, além de outros soros e vacinas para doenças de seres humanos e animais. Um artigo científico escrito por Oswaldo Cruz, cujo título era A vacinação antipestosa, foi publicado no mesmo ano, tendo como autor o Instituto Soroterápico Federal, com uma dedicatória ao “Exmo. Sr. Barão de Pedro Affonso, fundador e diretor do “Instituto de Manguinhos”. Portanto, o artigo foi apresentado como um trabalho coletivo. O Barão de Pedro Affonso, no dia 09 dezembro de 1902, deixou a direção do Instituto e foi para a Europa. Oswaldo Cruz assumiu a direção administrativa e técnica do Instituto.

Era o ano de 1903. Começava uma nova era para o Instituto Soroterápico Federal. Para todos estava clara a tríplice missão do Instituto: 1) realizar investigações científicas; 2) divulgar conhecimentos através do ensino; 3) executar trabalhos de rotina de natureza humanitária. (CUKIERMAN, 2007, p.61).

A produção de soros e vacinas continuou. Segundo a publicação intitulada O Instituto Oswaldo Cruz em Manguinhos (1909, p.3), foram produzidos, entre os soros ditos, os curativos, os soros aglutinantes, também material para a produção de diagnósticos. As vacinas geraram patentes registradas e tornaram-se importantes fontes informacional e científica e fontes financeiras para a produção de Manguinhos como, por exemplo, as vacinas contra a peste bubônica, contra o carbúnculo bacteriano, contra o antraz e contra a espirilose das galinhas.  Destacou-se a vacina para o carbúnculo sintomático ou Peste da Manqueira, em 1906, criada por Alcides Godoy. O Governo Federal, por intermédio do Ministério da Agricultura, distribuiu a vacina, principalmente nos estados com grande rebanhos bovinos: Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

 

3    BASE TEÓRICA

Qual era o ideário de Paul Otlet e de Henri La Fontaine? Eles começaram este sonho, em 1895, que prosseguiu mesmo após suas mortes. La Fontaine morreu em 1943 e Otlet no ano seguinte. Os acontecimentos relacionados às suas ações serão enfatizados dentro do período deste trabalho, ou seja, de 1900 a 1916. Os acontecimentos posteriores serão citados para que se tenha conhecimento da importância do trabalho deles.

No Instituto Soroterápico Federal, sob a direção de Oswaldo Cruz todas as informações, produzidas foram organizadas dentro dos conceitos sobre documentação produzidos por Otlet e La Fontaine. Inicialmente, esta dupla estabeleceu, em 1895, a CDU, baseada na classificação criada pelo norte americano Melvil Dewey, com a permissão dele.

Como já foi dito, a CDU era usada para identificar os temas das fichas produzidas nas “Mesas das Quartas-Feiras”, mas não era utilizada na organização das estantes. Os livros tinham localização fixa nas estantes e não por assunto e obedeciam a uma ordem de chegada. Otlet, por ser europeu, sabia que uma classificação temática, nas estantes de bibliotecas mais antigas, seria impossível. Portanto, somente o catálogo de fichas era temático e ele fazia menção ao local de guarda do documento, inclusive livros. 

No final do século XIX, vários especialistas, pesquisadores e instituições científicas em diferentes áreas propuseram e até organizaram catálogos e bibliografias com trabalhos publicados. O crescimento internacional das ciências e também das técnicas e tecnologias, após a Revolução Industrial, teve reflexos na produção de informações e foi tema em congressos no mundo todo. Neles, foram apresentadas propostas para a organização desses conhecimentos, visando à universalidade de acesso. A bibliografia como forma de organização em forma de listas do trabalho científico, por temas ou instituições, tinha apoio da dupla belga.

Otlet e La Fontaine[3], criaram o IIB, em 1895, e o Office International de Bibliographie (OIB). No mesmo ano,  também criaram o Repertoire Bibliographique Universel (RBU).

Em 1904, o OIB solicitou à Otlet a organização do Manuel du Répertoire Bibiographique Universel: organisation – état des travaux-régles-classifications, ficando a sua publicação, em 1907, sob a responsabilidade do IIB.  Uma cópia deste manual integra o acervo da Biblioteca de Manguinhos até hoje. Este foi mais um dos indícios do interesse de Oswaldo Cruz pela documentação.

Diferente de uma bibliografia, o RBU era o registro da produção em fichas com dados bibliográficos classificadas pela CDU, sobre diferentes suportes informacionais, que podia ser um mapa, livro, tabela, microfilme, patente, anuário, fotografia etc. com autores de diversos países e épocas e sobre todos os temas.

O RBU era organizado em fichas com tamanho padronizado (7,5 por 12,5 cm)[4] e regras para redação das referências dos documentos. O RBU foi criado para facilitar o acesso às informações disponíveis nas bibliografias (listas de livros). Eles trabalhavam com informações de ordem científica, técnica e administrativa.

A dupla também pensou na criação na capital belga da Citté Mondiale, em 1910, que acabou se restringindo à criação do Palais Mondial.[5]  O arquiteto, escultor e pintor norueguês-americano Hendrik Christian Andersen, a convite do Rei Alberto da Bélgica, se dispôs a fazer o projeto para a Citté Mondiale[6]. O arquiteto chegou a entrar em contato com Mussolini (ex-Primeiro Ministro da Itália) que ofereceu a cidade de Óstia para a implantação do projeto, mas Otlet negou essa parceria por julgar que a visão de mundo de Mussolini não combinava com a sua.

Otlet publicou, em 1934, o Traité de Documentacion,[7] que previa que o Mundaneum teria, como todos os museus, coleções diversificadas com diversos suportes informacionais. “[...] maquetes, fotografias, desenhos, mapas, ferramentas, livros, jornais, documentos pequenos, cartazes, placas de vidro, postais, registros bibliográficos.” (OTLET, 1934, p.265).

Na Biblioteca de Manguinhos, diversos tipos de materiais impressos e outros mais integravam o acervo, desde a época de Oswaldo Cruz. “Os folhetos comportam descrições das mais variadas, podendo ser, por exemplo, suplementos de revistas ou um panfleto de propaganda de medicamento ou instituição.” (BORTOLETTO, 2002, p.188)

Oswaldo Cruz trabalhava com todos os suportes informacionais, mantendo um museu científico no Instituto e fazendo uso de suas peças em exposições nacionais e internacionais. Sendo esses, mais indícios do apoio ao ideário da dupla belga.

 

3.1   No Brasil

A ideia do IIB chegou ao Brasil. O diretor da Biblioteca Nacional (BN), Manoel Cícero Peregrino da Silva, criou um serviço de consulta ao RBU, em 1911 e encomendou, ao IIB, 600 mil fichas catalográficas do RBU, para a recém criada Divisão de Bibliografia e Documentação, que oficializou uma rede de colaboração científica no Brasil. O bibliotecário Britto Galvão foi para a Bélgica para aprender a feitura dessas fichas, no RBU, para que o Brasil pudesse participar ativamente do projeto do IIB instalado no Brasil.

A BN inaugurou seu novo prédio, no local onde hoje se encontra, no dia 29 de outubro de 1910, como parte das reformas da gestão do Prefeito Pereira Passos no Rio de Janeiro. No mesmo ano, foi criado o Curso de Biblioteconomia na BN, para formação de bibliotecários profissionais.

Um pouco antes da sua inauguração, o Brasil passou a ter a Lei de Depósito Legal, concebida pelo decreto 1.825, de 20/12/1907 que determinava a doação para a BN de dois exemplares, de toda publicação realizada no país.

Essas ações da BN junto ao IIB, despertaram a atenção de diversas instituições brasileiras, sendo algumas científicas, de administração do Governo Federal, de ensino superior e também bibliotecas públicas. O total dessas instituições chegou a 142 e estavam localizadas em 18 estados brasileiros.

Os Estados que mais tiveram instituições inscritas foram: em 3º lugar a Bahia, com 11 instituições, em 2º lugar São Paulo com 19 instituições e o 1º lugar coube ao Rio de Janeiro com 64 instituições inscritas. Entre as 64 instituições do Rio de Janeiro estava o Instituto Oswaldo Cruz – fato que oficializou a adesão do ideário de Otlet e La Fontaine por Oswaldo Cruz.

 

4    OSWALDO CRUZ E SUAS RESPONSABILIDADES

No dia 26 março de 1903, a convite do Presidente da República, Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz assumiu a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) do país, com a tarefa de acabar com a febre amarela, a peste bubônica e a varíola, assim como a reforma dos serviços sanitários no Brasil. Oswaldo Cruz se manteve como diretor do Instituto. Oswaldo Cruz, mas deixou este cargo na DGSP, em agosto de 1909, por conta de uma lei que não permitia acúmulo de cargo público. Suas ações no cargo são bastante conhecidas.

O decreto nº 1.812 de 12/12/1907, sobre a mudança do nome do Instituto Soroterápico Federal para Instituto de Patologia Experimental, ficou parado durante muito tempo na Câmara. Depois que Oswaldo Cruz, em 1907, recebeu um prêmio em Berlim pelos feitos do Instituto, o decreto foi aprovado, mas não mais com o nome proposto e sim com o de Instituto Oswaldo Cruz (IOC). O presidente Affonso Penna aprovou e sancionou o decreto e o Instituto fez a troca de nome, oficialmente, no dia 19/03/1908.

O Brasil se destacava na medicina experimental. Passaram pelo Instituto, em busca de informações em saúde, médicos/cientistas e estudantes brasileiros, interessados em pesquisas. Entre 1901 e 1905, veio a missão francesa do médico/biólogo Émile Marchoux do Instituto Pasteur e da Sociedade de Parasitologia Exótica. A missão alemã dos cientistas Rudolf Otto Neumann e Hanz Erich Moritz Otto, do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, esteve no Instituto de fevereiro a julho de 1904. Os interesses eram em febre amarela, vacinas antipestosas, tuberculose, mosquitos transmissores da malária. A troca de informações era constante e Oswaldo Cruz aprimorava e desenvolvia fontes informacionais, que serão relatadas agora.

 

4.1 As Memórias do Instituto Oswaldo Cruz

O periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz foi criado, em 1907[8], como veículo de disseminação dos resultados de pesquisas do Instituto. Eram, de fato, “memórias”. Ele tinha como público alvo as faculdades de medicina, de medicina veterinária e agricultura. Um intercâmbio internacional também foi pensado através do sistema de permuta de periódicos de instituições estrangeiras semelhantes.

O primeiro número foi lançado em abril de 1909, com periodicidade anual, passando depois a ser quadrienal e tendo suplementos esporádicos. Os textos eram bilíngues, português e alemão ou francês para aumentar o alcance de suas informações

Oswaldo Cruz, que tinha Adolpho Lutz como seu substituto, era o responsável pela publicação das Memórias.

[...] a começar pela escolha das máquinas impressoras, seleção dos tipos, encomenda do papel, entendimentos com litógrafos e especialistas na feitura de clichês, a seleção dos tradutores para os artigos e, finalmente, ainda a revisão das provas, sem demonstrar, como de costume, o menor enfado por todo o labor rotineiro que tomara a si. (ARAGÃO, 1950, p.37).

 

O periódico tinha ilustrações, sempre que possível, podendo ser desenhos, fotografias e microfotografias de caráter científico. Havia um fotógrafo responsável: Joaquim Pinto da Silva, também conhecido como J. Pinto. Havia também desenhos, produzidos, a partir de 1908, por Manuel de Castro Silva, principal ilustrador do IOC e Raimundo Honório. Também o ilustrador alemão Rudolf Fischer, especialista em desenhos de insetos, trabalhou para as Memórias.

O foco das publicações estava na descoberta de vacinas e soros, principalmente para zoonoses de animais de corte, atividade de destaque do instituto naquela época.

 

4.2 Imagens paradas e em movimento

Conforme Otlet, diversos tipos de documentos sob diversos aspectos ganharam espaço em todas as áreas do conhecimento com suas tecnologias aperfeiçoadas.

A ilustração científica foi muito utilizada por Oswaldo Cruz como informação imagética em saúde, que complementava a informação textual e auxiliava os estudos e pesquisas de diversas áreas. O Instituto ganhou sua primeira sala de desenho em 1909. Nela, havia uma pranchetas e iluminação para a execução de desenhos. Também havia um laboratório para execução, revelação e impressão de fotografias e microfotografias. Os desenhos, como ilustrações, eram produzidos a partir dos modelos que se apresentavam a olho nu ou através de microscopia. As ilustrações científicas usavam a arte a serviço da ciência no traçado de detalhes da imagem reproduzida, para facilitar o estudo do objeto desenhado.

No IOC, os pesquisadores organizaram coleções de insetos capturados e mortos para estudos. Uma coleção que se destacou, internacionalmente, foi a dos barbeiros, participantes do Mal de Chagas. Os exemplares de cada uma das espécies eram entregues aos ilustradores/desenhistas, que produziam as pranchas e, na dúvida, recorriam aos pesquisadores. Os desenhos eram, entre outros, de amebas, fungos e bacilos da tuberculose. Diversos livros também faziam uso dessas ilustrações.

Destacou-se o artigo Contribuição para o estudo dos culicídeos do Rio de Janeiro, escrito e ilustrado por Oswaldo Cruz. Este foi considerado o primeiro desenho científico do Instituto e retratava um Anopheles, em 1901.

A fotografia surgiu, naquele período, como uma forma de ilustração científica, embora os desenhos continuassem sendo usados. Ela facilitava o registro no local do objeto estudado, com sua reprodução e duplicação facilitadas. Oswaldo Cruz tinha uma máquina fotográfica que fazia fotos estereoscópicas e que, vistas através de um visor especial, forneciam o efeito 3D. Esta máquina sempre estava com ele e, por este motivo, Oswaldo Cruz passou a ser chamado de Dr. Fotógrafo.

Também o cinema, mudo e em preto e branco, foi utilizado pelos pesquisadores de Manguinhos, apresentando fases de pesquisa, como foi o caso da filmagem de “Chagas em Lassance”, um curta-metragem dirigido por Carlos Chagas, sobre a doença que levou seu nome. O filme “La lutte contre la fièvre jaune” teve destaque, pois registrava a campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro A importância dos filmes era tal que houve a necessidade de um cinematógrafo no pavilhão brasileiro, da Exposição Internacional de Higiene, em Dresden no ano de 1911. Suas sessões diárias lotavam. É importante registrar que a cinematografia também auxiliava a microbiologia.

Fugindo ao escopo científico, Oswaldo Cruz organizou, pessoalmente, caricaturas produzidas na imprensa, relacionadas a ele e às campanhas sanitárias pela extinção da peste bubônica, da varíola e da febre amarela.  Essa coleção, ficava em sua residência..

 

4.3 A Biblioteca de Manguinhos

Até 1903, livros e periódicos do Instituto Soroterápico Federal a biblioteca, existente numa pequena casa, era chamado de “Cidade dos Livros.” E possuía, como já foi dito, sala de leitura onde ocorriam, à noite, as famosas Mesa das Quartas-Feiras. Eventualmente essas reuniões aconteciam na residência de Oswaldo Cruz, em Botafogo. Ezequiel Dias (1922, p.45) afirma ainda que “nessas condições o nosso Instituto tem uma enorme e preciosa coleção classificada de artigos que versam a biologia com todas as suas especialidades, as ciências físico-químicas, etc.”

Nos primeiros anos, “bibliotecários” amadores ocuparam o cargo de forma provisória. Somente em 1909, o IOC passou a ter um bibliotecário profissional: Hipólito Assuerus Overmeer, um holandês poliglota e culto, que permaneceu no cargo por mais de 30 anos. Oswaldo Cruz, que já usava a CDU de Otlet, sugeriu que ela fosse mantida no catálogo de fichas catalográficas.

A proximidade de Oswaldo Cruz com autoridades, na DGSP, facilitou a transferência de sobras de verbas desta diretoria para uso no Instituto, até que verbas regulares fossem autorizadas pelo Congresso Nacional para a construção de um novo prédio. Este teve suas obras iniciadas, em 1904. Nascia o Pavilhão Mourisco ou “Castelo de Manguinhos”, como também era chamado. Oswaldo Cruz, com seus desenhos e instruções, e o arquiteto português, Luiz de Moraes Junior, com sua arquitetura, uniram seus talentos e o lançamento de pedra fundamental aconteceu sem solenidade. No lado direito do quarto andar ficaria a nova biblioteca, que manteve a divisão entre acervo e sala de leitura.

Oswaldo Cruz encomendava, ao livreiro Paul Albanel, de Paris, livros com boas ilustrações e raros, além de catálogos e equipamentos para trabalho. Entre os livros destacaram-se: Historia Naturales Brasiliae, de Carl von Linné, de 1649; Histoire d´un voyage faict en la terre du Brésil, de Jean de Léry, de 1578, sendo a edição de Manguinhos do ano 1874; Erario Mineral, (história da medicina, patologias e terapêutica no Brasil Colonial), do médico português Luís Gomes Ferreira, de 1735. Relatos de naturalistas viajantes famosos como von Humbolt, Sainte-Hilaire, Von Martius, Agassiz faziam parte do acervo, assim como os relatórios de expedições científicas do IOC.

Periódicos científicos brasileiros dos séculos XIX e XX também integravam o acervo da Biblioteca de Manguinhos, como: A Tribuna Médica (Rio de Janeiro, 1899-1972); Gazeta Médica da Bahia (Salvador, 1876-1972); Brazil Medico (Rio de Janeiro, 1887- 1946). Entre os periódicos científicos estrangeiros, foram assinados  os  títulos: Journal d’ Hygiene (Paris, 1910-1913); Proceedings of the Royal Society of London (London, 1800-1904); American Journal of Medical Sciences-AJMS (Philadelphia, desde 1891); Lancet (London, desde 1823); Nature (London, desde 1892); Science (Washington, desde 1900)[9].

Para se ter uma ideia do apreço de Oswaldo Cruz pela biblioteca, ficou famosa sua frase, proferida nos momentos de crise financeira do Instituto: “Corta-se tudo, menos a verba da biblioteca”.

Esta biblioteca foi uma das primeiras do Brasil, sem ser universitária, a possuir teses em seu acervo: teses estrangeiras oriundas da Argentina, França, Alemanha, Itália datadas de 1828 em diante e teses[10] de escolas de medicina brasileiras.

A produção dos alunos do Curso de Aplicação[11], também chamado também de “Jardim de Infância da Ciência,” do IOC, estava presente na biblioteca, destacando-se os Estudos hematológicos no impaludismo (1903), do então aluno Carlos Chagas.

 

4.4 No Ensino

No IOC, havia um Curso de Aplicação, sob a direção do Dr. Rocha Lima, que foi oficialmente inaugurado em 1908.  Segundo Benchimol (1990, p. 27), as aulas eram “tão somente sobre a bacteriologia e parasitologia aplicadas à patologia, higiene e terapêutica veterinária.” Os alunos eram estudantes de medicina e veterinária, pois o ensino de graduação, na época, não oferecia prática de pesquisa. Profissionais dessas áreas também buscavam, no Instituto, um curso grátis de anatomia e histologia patológica e microbiologia. Todos tinham acesso a uma biblioteca especializada e ao manuseio das coleções científicas. Eles se transformavam, mesmo formados, em estagiários. A participação dos alunos também se dava na inoculação e observação de animais, em seus lugares de criação: viveiros ou aquários de água doce e salgada. Eles podiam frequentar a sala de projeções para verem filmes científicos, a sala de fotografias, onde elas eram produzidas. Os alunos também observaram a produção de soros utilizados em diagnósticos, de produtos para provocar reações técnicas em exames laboratoriais (relacionados a zoonoses e vacinas contra a peste bubônica e tuberculose humanas (mas também em animais), encerrando o ciclo de ensino.

Todos os tipos de informações em saúde e sob diversas formas estavam à disposição de todos, visando o aperfeiçoamento da prática clínica e a produção de suas teses e pesquisas pessoais. Pesquisadores e alunos produziram resultados de pesquisas em periódicos científicos.

Entre as tecnologias utilizadas no ensino e nas pesquisas no Instituto, destacava-se o ditafone, usado para gravar protocolos de autópsias, máquinas fotográficas e filmadoras usadas em registros de insetos ou animais estudados e na microscopia.

 

4.5 Coleções científicas

Coleções de culturas diversas serviam de base para estudos. Por exemplo, de bactérias patogênicas, de fungos, de cogumelos podiam ser estudadas no aparelho de microfotografia da marca Kayserling. Junto a este aparelho, veio uma coleção bacteriana alemã, em 1903, conseguida através do pesquisador Rocha Lima.  Os alunos também participavam da coleta de material (insetos, plantas, órgãos humanos alterados por doenças, etc.) nas expedições científicas pelo Brasil.

Em 1901, iniciou-se a coleção entomológica, com exemplares do mosquito Anopheles lutzii, com suas larvas e ninfas, além de outros insetos responsáveis por diversas doenças. Havia também uma coleção de protozoologia.

Existia uma coleção helmintológica com 61 espécies, iniciada em 1909, com o acervo das necropsias de José Gomes de Faria, médico e discípulo Lauro Pereira Travassos. O primeiro acervo particular de helmintos a ser incorporado a uma coleção institucional brasileira foi o de Antônio Carini e Jesuíno Maciel. Esta coleção tinha treze amostras, obtidas entre 1912 e 1915 e, durante um tempo, pertenceu ao Instituto Pasteur de São Paulo.

As coleções científicas eram organizadas por meio de classificações às quais eram acrescentadas diversas espécies novas, na medida que eram descobertas, segundo Ezequiel Dias (1918, p.26). Quando um espécime não tinha uma amostra na coleção, recorriam ao seu estudo por intermédio de desenhos do original.

 

4.6 O Museu Anatomapatológico

Órgãos do corpo humano ou parte deles, lesionados ou ulcerados por doenças tropicais constituíam o acervo deste museu, obtidas através de autópsias de vítimas de doenças infecciosas. As informações sobre essas peças eram complementadas com as informações dos prontuários médicos e diagnósticos necroscópicos e foram de grande importância para o combate da febre amarela e da peste bubônica, além dos estudos sobre o Mal de Chagas. As peças eram conservadas em gelatina, dentro de vidros e analisadas pelo processo Kayserling. Havia também peças macroscópicas de órgãos doentes, representados através de esculturas em cera e quadros.

Durante um período, o museu permaneceu na ante sala da diretoria do Instituto e foi considerado um museu de divulgação científica. Ele foi extinto na década de 60.

No XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Berlim, em 1907, essas peças foram exibidas e contribuíram para a medalha de ouro que Oswaldo Cruz recebeu. Elas documentavam a peste bubônica e a febre amarela que assolaram o Rio de Janeiro.

Na Exposição Internacional de Higiene de Dresden, também na Alemanha, realizada em 1911, o pavilhão brasileiro surpreendeu pesquisadores do mundo todo, apresentando quadros com estatísticas de combate à febre amarela, no Rio de Janeiro e em Belém do Pará, além de gráficos e objetos tridimensionais e esculturas de “papos” que, identificados como bócios, na época, e não como elementos do Mal de Chagas.

 

4. 7 Congressos Médico Latino-Americanos

A América Latina sempre foi considerada uma região atrasada, em relação ao conhecimento científico e tecnológico na área da saúde. Mas isso mudou, no princípio do século XX, com os congressos médicos e exposições de higiene. Esses eventos aproximavam os médicos e também outros profissionais envolvidos na melhoria das condições de vida das populações locais, interessados na troca de conhecimentos, por exemplo, sobre doenças, flora americana, acatando experiências indígenas, para identificação de plantas e produção de remédios. Entre esses profissionais, encontravam-se brasileiros como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Nascimento Gurgel, Toledo Dodsworth.

O 1º Congresso Médico Latino-Americano (CMLA) ocorreu no Chile, em 1901, o 2º na Argentina, em 1904, o 3º no Uruguai, em 1907, o 4º no Brasil, em 1909, o 5º no Peru, em 1913 e o 6º em Cuba, em 1922.

O 4º CMLA, realizado no Rio de Janeiro, teve uma exposição, que utilizou três palácios, localizados na região da Praia Vermelha. Foram apresentados, de forma didática, registros de atividades médico-sanitárias, além de instrumentos médicos, publicações, fotografias, quadros, mapas, imagens, maquetes relacionadas também às áreas da climatologia e botânica, em salas com vitrines. A exposição organizou todo o material, apresentado por 396 expositores, em duas seções:  a seção científica com 135 expositores (99 eram brasileiros) e a seção industrial com 261 expositores (sendo 189 brasileiros).

Foram oferecidos prêmios sob a forma de medalhas de ouro, prata e bronze. Entre os premiados da seção científica estava o Instituto Oswaldo Cruz, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a DGSP. Entre os premiados da seção industrial estavam o Museu Comercial do Rio de Janeiro (coleção de produtos alimentícios e sementes) e o representante de Minas Gerais de águas minerais de Caxambu, Lambari e Cambuquira. 

Na seção de Botânica, foi premiada uma grande coleção de plantas medicinais e tóxicas da flora brasileira, catalogadas com o nome científico e o vulgar, e suas aplicações.

O livro A Medicina no Brasil foi lançado na ocasião. Tratava-se de uma publicação com vários autores, expoentes médicos do país. Distribuição e separatas com os trabalhos apresentados no congresso, relatórios, realização de permutas de periódicos latino-americanos também integraram as ações sobre informação em saúde latino- americana.

O 4º CMLA contou com a inscrição de 630 congressistas e como ouvintes mais de mil médicos. E diversos trabalhos apresentados visavam projetos sanitários e promoção da saúde, auxílio às ligas e associações internacionais e estímulo à produção de leis sanitárias.

Em 1909, o mesmo ano do 4º CMLA, ocorrido no Rio de Janeiro, foi publicado uma história e levantamento da legislação em saúde pública no Brasil, intitulada Os serviços de saúde pública no Brasil, especialmente na cidade do Rio de janeiro, 1808 a 1907, cujos autores foram Plácido Barbosa e Cássio de Rezende Barbosa. A obra foi realizada a pedido de Oswaldo Cruz.

 

4 .8 As Expedições Científicas

Desde os primórdios do Instituto Soroterápico Federal, muitas informações foram obtidas em pequenas excursões da equipe do Instituto, em Sarapuí, na Baixada Fluminense, para a captura de anofelinos (mosquitos relacionados à malária). O próprio Oswaldo Cruz, esteve em Curvelo, MG, em busca de elementos para sua pesquisa sobre bócio endêmico, obtendo amostras de águas para experimentos químicos e bacteriológicos. As grandes expedições começaram por solicitação de autoridades sanitárias e, por vezes, de empresas particulares. Elas percorreram as regiões das bacias do rio São Francisco e do rio Amazonas, no interior do país. Elas foram realizadas por pesquisadores do IOC, algumas com a participação de Oswaldo Cruz, e atuaram como excelentes fontes de coleta de material informacional de suma importância para as pesquisas ali realizadas. Por meio delas, uma farta documentação foi conseguida.

As fotografias das expedições científicas foram publicadas no livro A ciência a caminho da roça: Imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911-1913.

Oswaldo Cruz mantinha em sua residência, recordações de suas expedições pelo Brasil como, por exemplo: mapas, arco e flecha de índios, esqueletos de animais marinhos.  Também existia um grosso caderno com anotações para o Dicionário de Brasileirismo, organizado para a Academia Brasileira de Letras, onde ele ocupava a cadeira nº 38, desde 1913. Expressões como” pé de madura”[12], indicando um ferimento do pé ocasionado pela pata de cavalo tiveram lugar na publicação.  “Vexame do coração”, indicando doença de fundo nervoso; “mãe de corpo”, significando útero, “estar de boi”, estar menstruada, “coisa mandada”, significando feitiço, eram exemplos de brasileirismos[13]

Investigadores iam ao campo para estudar a inter-relação entre doença, agente etiológico e meio (“natural”, social) da doença. Eles entravam em contato laboratorial com os microrganismos causadores “diretos” das doenças (helmintos, bactérias, protozoários, fungos), para entender como era feita sua reprodução. (LUTZ, 1982, p.201).

 

A medicina experimental se destacou e foi valorizada no país, por meio das expedições científicas[14], realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz. Elas desvendaram um Brasil desconhecido pelas grandes cidades. “O Brasil ainda é um grande hospital”, segundo o médico Miguel Pereira, declaração na época. Partes dos relatórios saíram na imprensa. Livros foram publicados e trabalhos apresentados em eventos científicos.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O relato acima exposto fala por si só. Oswaldo Cruz trabalhou o tempo todo com informações em saúde organizadas ao fazer pesquisas, identificar doenças, dar aulas, promover campanhas de saúde pública, empreender expedições pelo interior do país, representar o Brasil no exterior e atuando como agente público frente a instituições públicas.

Oswaldo Cruz atuou como médico, sanitarista, pesquisador e professor durante seus 44 anos de vida, sendo 16 anos à frente do IOC. Com a saúde debilitada por uma nefrite crônica, agravada a partir de 1907, mas nem por isso esmoreceu.

Os relatórios de expedições, em particular o da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré da qual ele participou, apontavam as injustiças sofridas pelos trabalhadores, extorquidos pelos donos dos seringais. Denunciava as péssimas condições de habitação, da alimentação, constituída por carne seca deteriorada e farinha mofada. Muitas vilas visitadas, por ele, tinham perdido para a malária todos habitantes nascidos ali. Havia os espertalhões que vendiam panaceias, para cura da malária. A região com duas estações de ano (seca e de chuvas) mantinham a população doente, em casas de madeira, com solos encharcados nas enchentes. As seringueiras estavam há dias de distância das vilas ribeirinhas. Médicos eram poucos e substituídos por farmacêuticos, em alguns lugares. Contrariando as empresas e governos contratantes das expedições, Oswaldo Cruz e seus pesquisadores não apoiaram a construção de grandes hospitais em cidades, inacessíveis à população de vilas ribeirinhas, que dependia dos rios. Ele pregava a instalação na região de postos de saúde equidistantes, com médicos e canoas para facilitar o acesso àqueles que precisassem de ajuda médica. 

Todos esses relatos foram documentados e são registros não apenas da saúde do Brasil naquele tempo. Ele conseguia relacionar as doenças a diversas causas: sociais, ambientais, econômicas e políticas. Este olhar era fundamental para propor soluções para os problemas da saúde pública.

Seu cuidado com os registros informacionais e com a escolha de suportes adequados à sua divulgação para todos demonstraram uma visão prévia da sociedade informatizada que existe hoje. Sua atuação foi sempre ligada às ciências, seguindo o ideário de Otlet e La Fontaine sobre Documentação, que se transformaria mais tarde em Ciência da Informação.   Portanto, não seria inapropriado afirmar que Oswaldo Cruz foi um cientista da informação.

 

 

 

 

 

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[1] Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação (IBICT/UFERJ). Pós-Doutorado em Estudos Culturais (FCC/UFRJ).

[2] Classificação criada por Paul Otlet e Henri La Fontaine.

[3] Henri La Fontaine acreditava que a internacionalização do conhecimento era o pano de fundo para a construção da paz mundial e o empenho neste sentido lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz em 1913.

[4] Um grupo de especialista de diversos países, em 1897, sugeriu uma uniformização das fichas (7,5 x 12,5cm) dos catálogos e estabeleceu um código internacional de regras para redação das referências bibliográficas.

[5] O Palais Mondial foi inaugurado em 1920. A ideia era de reunir nela diversas instituições tais como, bibliotecas, museus, universidades. Ele passou por diversas mudanças e acabou na cidade de Mons, na Bélgica, em 1993 e com seu acervo, transformou-se no Mundaneum, com abertura oficial em 1998. Em 2012, o Google faz acordo com o Mundaneum para divulgar seu acervo, pois o considerava um “Google de Papel.”  Há um projeto para digitalização dos documentos do acervo do Mundaneum.

[6] Mais tarde, no dia 02 de abril de 1928, Otlet recebeu o apoio do arquiteto suíço, naturalizado francês Le Corbusier e de seu primo arquiteto suíço, Jean Neret para a realização do projeto da Citté Mondiale.

[7] O Traité de Documentacion integra o acervo da Biblioteca de Manguinhos.

[8] Pelo mesmo decreto que mudou o nome do Instituto.

[9] Os quatro últimos títulos são assinados até hoje.

[10] Teses, naquela época e na maior parte do tempo, correspondiam aos trabalhos de conclusão de curso (nosso TCC de hoje) da graduação nas Escolas de Medicina.

[11] Considerado também um curso de pós-graduação, uma vez que muitos de seus alunos eram graduados e profissionais com muito tempo de experiência profissional.

[12] Expressão coletada por ocasião da expedição ao Pará, para avaliação das condições sanitárias na região da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, sob o comando do próprio Oswaldo Cruz.

[13] Essas últimas expressões foram coletadas na expedição à Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás, em 1912, sob o comando de Arthur Neiva e Belizário Penna.

[14] 1908 – Expedição chefiada por Carlos Chagas e Belizário Penna, a pedido da Estrada de Ferro Central do Brasil – norte de MG até Pirapora, com destaque para Lassance

1909 – Expedição chefiada por Oswaldo Cruz e Belizário Penna, a pedido da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – bacia amazônica – Belém/Manaus a Porto Velho

1911 – Expedição chefiada por Astrogildo Machado e Antônio Martins, a pedido da Estrada de Ferro Central do Brasil -  vales do rio Amazonas, São Francisco e Tocantins (norte de GO)

1912 – Expedição chefiada por Arthur Neiva e Belizário Penna, a pedido da Inspetoria de Obras contra a Seca – norte da BA, sudeste de PE, sul do PI e norte e sul de GO

1912 – Expedição chefiada por João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria, a pedido da Inspetoria de Obras contra a Seca – CE e norte do PI

1912 – Expedição chefiada por Adolpho Lutz e Astrogildo Machado, a pedido da Inspetoria de Obras contra a Seca – vale do rio São Francisco – de Pirapora, MG a Juazeiro, BA

1912-1913 – Expedição chefiada por Carlos Chagas, Pacheco Leão e João Pedro de Albuquerque, a pedido da Superintendência da Defesa da Borracha – bacia amazônica (rios Solimões, Juruá, Purus, Yaco, Negro e baixo Rio Branco e alguns de seus afluentes).